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"GUERRA DOS MUNDOS"
Diretor abandona os ETs fofinhos em ficção científica baseada no livro homônimo de H.G. Wells
Spielberg atualiza a paranóia americana
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"Minority Report - A Nova Lei", a parceria anterior da dupla Steven Spielberg-Tom Cruise, acabou consagrada
como uma surpreendente antevisão da doutrina Bush e sua política de guerras preventivas, lançadas em setembro daquele mesmo
2002. Não que Spielberg tenha sido tomado por um (profético) elã
político. Ao que parece, foi simplesmente atropelado pelos fatos.
Em "Guerra dos Mundos", podemos tirar a prova: não foi Spielberg quem mudou, foi o mundo.
Há 67 anos, um jovem gênio irresponsável chamado Orson Welles levou os americanos à loucura
com a transmissão radiofônica de
sua adaptação hiper-realista de
"Guerra dos Mundos", o clássico
de ficção científica de H.G. Wells.
Desesperadas, as pessoas saíam
às ruas e lotavam as igrejas, certas
de que o planeta estava sendo invadido por marcianos. Três anos
depois, o programa de rádio de
Welles foi interrompido por um
plantão que anunciava a invasão
japonesa de Pearl Harbor. Poucos
acreditaram. Welles tinha sido
atropelado pelos fatos.
Welles acabou levando um merecido puxão de orelha do presidente Roosevelt, que lhe lembrou
a historieta do menino pastor que
vivia gritando: "É o lobo!" (até
que o lobo apareceu de verdade e
ninguém acreditou). O mesmo
Roosevelt que repetia aos americanos que eles não tinham nada a
temer, exceto o próprio medo.
Hoje em dia, o que mais movimenta o mercado americano é a
cultura do medo, fonte na qual
Spielberg foi beber desta feita:
"Guerra dos Mundos" eleva o cinema-catástrofe a um novo patamar, a uma nova escala, a do
mundo pós-11 de Setembro. Se a
primeira versão cinematográfica
da obra de H.G. Wells, realizada
por George Pal e Byron Haskin, se
inscrevia nas ficções científicas
que, nos anos 50, alegorizavam a
paranóia da Guerra Fria, esta de
Spielberg a reatualiza em tempos
da paranóia de guerra ao terror.
Spielberg pode ter trocado seus
ETs fofinhos e amigáveis dos anos
80 por alienígenas do mal, verdadeiras máquinas de destruição
em massa. Pode ter deixado suas
saudáveis famílias interioranas de
lado para falar da desagregação
familiar, esse que parece ser o tema mais urgente do cinema contemporâneo -seu filme, aliás,
pode ser visto como a história de
uma paternidade falida que junta
os cacos em meio ao caos. Mas,
fundamentalmente, Spielberg é o
mesmo. Ele continua antenado
com as demandas do público
americano, essa é sua maestria,
um dom nem sempre inofensivo.
Em "Guerra dos Mundos", afora a serialização das catástrofes
(quase uma síntese do gênero) e a
sucessão de metáforas bíblicas, o
que mais chama a atenção no périplo da família Ferrier pelo fim
dos tempos é que, enquanto a sociedade civil americana se desmantela rapidamente a um estado de hobbesianismo social (o
homem se fazendo lobo do homem), cabe sempre ao Exército
restaurar a ordem possível.
Não foi Spielberg quem mudou,
foi o mundo, cada vez mais parecido, como diria Godard, com o
roteiro de uma ficção ruim. No
atentado de 11 de Setembro, podíamos ver a projeção do imaginário americano do cinema-catástrofe se realizar terrivelmente
-gênero muito apreciado por alguns dos terroristas que o perpetraram. Num mundo em que as
catástrofes e suas imagens proliferam quase cotidianamente, é difícil acreditar que a agressiva e algo
duvidosa campanha de lançamento arquitetada para "Guerra
dos Mundos" vá lhe assegurar algum impacto junto ao público.
Guerra dos Mundos
War of the Worlds
Direção: Steven Spielberg
Produção: EUA, 2005
Com: Tom Cruise, Tim Robbins
Quando: a partir de hoje nos cines Shopping D, Jardim Sul e circuito
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