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Nabuco, craque do século passado em duas posições
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Pura coincidência, mas nesses dias de Copa do Mundo, todos gritando Brasil, Brasil, tive
a chance de conhecer melhor
um brasileiro do século passado, Joaquim Nabuco. Estava
curioso a respeito dele, depois
de ler uma biografia escrita
por Luis Viana e agora o Senado acaba de republicar o clássico de Nabuco, "Minha Formação". E isso num ano em
que foi, magistralmente, relançado pela Topbooks os dois volumes da principal obra de Nabuco, "Um Estadista do Império".
Gilberto Freyre observa, no
prefácio, que "Minha Formação" não é um livro autobiográfico no sentido de revelar
segredos interiores de seu autor. Freyre acha mesmo que
falta a Nabuco, tão anglicizado, uma das características
mais valiosas dos ingleses: o
"sense of humour", a capacidade mesmo do homem público
de rir de si mesmo.
Não tive a mesma sensação
de aridez ao travar contato
com o livro. Nabuco revela
uma auto-ironia quando fala
de seus poemas, alguns realmente desanimadores. A ironia reaparece quando descreve
os encontros com os seus ídolos
literários e as táticas que usava para se desembaraçar de estreantes ansiosos por uma palavra de estímulo.
Se Nabuco fosse tão impermeável ao senso de humor, não
iria se inspirar em Tayllerand
quando perguntaram-no de
que país gostava mais, França
ou Inglaterra. Que país se salvaria primeiro se os dois estivessem afogando? A Inglaterra
sabe nadar, concluiu.
Nada disso me mobiliza tanto quanto descobrir num homem de pouco mais de 50
anos, no século passado, vivendo problemas comuns aos jovens de hoje, isto é, buscando
um sentido para a vida que
não estava na Europa nem nos
Estados Unidos, na glória literária ou nas ilusões do poder.
Essa questão, que às vezes é
respondida por um mergulho
na religião, acabou conduzindo Nabuco a ser um defensor
dos escravos. No lugar em que
muitos encontram a compaixão com o destino humano, ele
se concentrou num combate
histórico, escolhendo aqueles
que iriam precisar dele.
Nabuco não se sentia um político bem-sucedido. Muitas
dúvidas aparecem no seu texto: como se interessar pelas
questões brasileiras, quando o
cenário internacional apresenta, às vezes, tramas tão mais
intensas?
"Politicamente, receio ter
nascido cosmopolita. Não me
seria possível reduzir as minhas faculdades ao serviço de
uma religião local, renunciar à
qualidade que elas têm de voltar-se, espontaneamente, para
fora."
O que pode ter sido um obstáculo em sua carreira era a
constante hesitação entre a política e literatura. Muitos responderam bem a esse tipo de
dúvida, às vezes com o sacrifício de seu talento. Nabuco parece lúcido a respeito disso e
não se enganou, por exemplo,
com Rui Barbosa. Para ele, Rui
só seria capaz de se expressar
esteticamente, se conseguisse
emergir da montanha de citações e superposições intelectuais, o que na verdade jamais
aconteceu.
Mas é a reflexão sobre a confluência da literatura com política que revela a modernidade de Nabuco. Ele considera o
discurso político, com sua dramaticidade e suas tiradas de
efeito, um verdadeiro inimigo
da poesia. Ele não viveu o bastante para perceber como a literatura, influenciando a política e a própria retórica parlamentar, acabou se livrando de
suas lantejoulas. Mas a tese essencial está lá: uma coisa é a
arte, outra coisa é o discurso
político ou mesmo a erudição.
Apesar das hesitações, Joaquim Nabuco acaba escolhendo os melhores caminhos para
investir seu talento. A biografia do pai é um documento indispensável da história. Sua
opção pelos escravos, uma espécie de dádiva do século passado. No século 20, a idéia de
liberar os proletários dos seus
grilhões acabou resultando no
pesadelo do socialismo real. O
fim da escravidão, além de ter
a vantagem da existência concreta, abriu novos caminhos
para um capitalismo cruel,
mas com grande capacidade
de resistir ao longo dos anos.
Se fizéssemos uma seleção histórica nacional, desde o descobrimento, Nabuco teria sua escalação garantida.
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