São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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CRÍTICA
Julien Temple resiste à banalização do cinema

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

A expressão "Rimbaud do cinema" para definir Jean Vigo não é inexata. Como o poeta, Vigo produziu pouco, mas com brilho, e morreu prematuramente.
É verdade que a produção poética de Rimbaud termina mais ou menos junto com sua adolescência, enquanto Vigo morre aos 29 anos, deixando incompleta a montagem de "L'Atalante". Mas o gosto anárquico e subversivo é uma característica comum aos dois.
No mais, Rimbaud pertence a uma tribo específica, a dos poetas ditos malditos, e sua atitude antiliterária inspirou os surrealistas dos anos 20 deste século, empenhados em identificar a escrita à vida.
Nesse sentido, a trajetória de Vigo é menos feliz, mas não menos exemplar. "Zero de Conduta", sua obra-prima, permaneceu interditado pela censura francesa até o final da Segunda Guerra Mundial. Narrando a história de um grupo de alunos de um internato, é com certeza o mais anárquico dos filmes feitos até hoje.
"L'Atalante", filme de encomenda (e seu único trabalho sonoro), ressente-se de um roteiro banal, embora Vigo confira uma força poética insuspeita a não raros momentos da saga de uma mulher insatisfeita com a vida burocrática que leva.
O documentário "A Propos de Nice", seu primeiro filme, tornou-se famoso sobretudo pelas imagens da mulher que troca várias vezes de roupa até ser mostrada inteiramente nua.
O cinema raramente se digna a redescobrir seus autores malditos. Existem casos exemplares, como o de Erich von Stroheim, tornado maldito pela tomada de poder de Irving Thalberg na Metro. Mas até então Stroheim era uma estrela.
Jean Vigo amargou, após sua morte, um longo período de ignorância de sua obra e sua reabilitação se deve em boa parte ao estudo feito pelo brasileiro Paulo Emilio Salles Gomes (e coberto de elogios, na ocasião, por ninguém menos que o André Bazin).
É com certeza graças a cineastas como Vigo que ainda sobrevive um indômito espírito de resistência à completa banalização do cinema pelo comércio e pela impessoalidade. Hoje os nomes são outros: Nanni Moretti, David Cronenberg, Dogma-95 etc. Eles nos lembram que o cinema, à parte uma operação visando lucro, pode ser atividade criativa.


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