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CRÍTICA
Julien Temple resiste à banalização do cinema
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
A expressão "Rimbaud do cinema" para definir Jean Vigo não é
inexata. Como o poeta, Vigo produziu pouco, mas com brilho, e
morreu prematuramente.
É verdade que a produção poética de Rimbaud termina mais ou
menos junto com sua adolescência, enquanto Vigo morre aos 29
anos, deixando incompleta a montagem de "L'Atalante". Mas o gosto anárquico e subversivo é uma
característica comum aos dois.
No mais, Rimbaud pertence a
uma tribo específica, a dos poetas
ditos malditos, e sua atitude antiliterária inspirou os surrealistas dos
anos 20 deste século, empenhados
em identificar a escrita à vida.
Nesse sentido, a trajetória de Vigo é menos feliz, mas não menos
exemplar. "Zero de Conduta", sua
obra-prima, permaneceu interditado pela censura francesa até o final da Segunda Guerra Mundial.
Narrando a história de um grupo
de alunos de um internato, é com
certeza o mais anárquico dos filmes feitos até hoje.
"L'Atalante", filme de encomenda (e seu único trabalho sonoro),
ressente-se de um roteiro banal,
embora Vigo confira uma força
poética insuspeita a não raros momentos da saga de uma mulher insatisfeita com a vida burocrática
que leva.
O documentário "A Propos de
Nice", seu primeiro filme, tornou-se famoso sobretudo pelas imagens da mulher que troca várias
vezes de roupa até ser mostrada inteiramente nua.
O cinema raramente se digna a
redescobrir seus autores malditos.
Existem casos exemplares, como o
de Erich von Stroheim, tornado
maldito pela tomada de poder de
Irving Thalberg na Metro. Mas até
então Stroheim era uma estrela.
Jean Vigo amargou, após sua
morte, um longo período de ignorância de sua obra e sua reabilitação se deve em boa parte ao estudo
feito pelo brasileiro Paulo Emilio
Salles Gomes (e coberto de elogios,
na ocasião, por ninguém menos
que o André Bazin).
É com certeza graças a cineastas
como Vigo que ainda sobrevive
um indômito espírito de resistência à completa banalização do cinema pelo comércio e pela impessoalidade. Hoje os nomes são outros: Nanni Moretti, David Cronenberg, Dogma-95 etc. Eles nos
lembram que o cinema, à parte
uma operação visando lucro, pode
ser atividade criativa.
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