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ARNALDO JABOR
O Brasil já perdeu a guerra das estrelas
Saio da "Guerra nas Estrelas"
com a cuca fundida. Sinto-me
definitivamente conquistado,
como o nativo de um planeta
distante. Saio hipnotizado, humilhado, não pela "qualidade"
tradicional do filme, mas por
sua "potência" como produto.
Na realidade, saio do cinema
com uma inveja brutal, esverdinhada, hepática. "Guerra
nas Estrelas" foi feito para ser
um show de força de uma cultura celebrando seu triunfo insofismável sobre o mundo
atual.
Esse filme ilumina o óbvio,
gente boa: perdemos para sempre a guerra pelas estrelas e só
nos resta repensar nossos discursos ideológicos sobre nós
mesmos. E não falo de cinema,
falo de política.
O que me espanta é a energia
que está por trás daquilo tudo,
não só a energia financeira de
faturar bilhões no mundo, mas
a massa de trabalho e da "fé
americana" que o produziu. O
que me assusta é que a tecnologia que faz os Tomahawks é a
mesma que faz o entretenimento de Hollywood.
"Guerra nas Estrelas", com
toda sua inocência infantil, é
um manifesto político. A Força
é os Estados Unidos da América. E nós somos aqueles bichos
da floresta que fogem, somos os
Jar Jar Binks adesistas e otários, tolerados na galáxia americana.
"Que papo nacionalista antigo é esse?", dirão os tecnopopboys, cínicos e entediados. Tudo bem..., mas esse filme é tão
"de ponta" que deixa escancarado nosso atraso cultural e político.
Que fazer diante dessa onda
irresistível que nos transformou em figurantes de um grande shopping center lúdico? Nada? Que fazer diante desse filme que nos hipnotiza, que nos
paga R$ 1.090 na alfândega para entrar aqui e que, com 400
cópias, nos leva US$ 40 milhões
em troca de duas horas de emoções coloniais?
Fica claro que os fatos estão
correndo mais rápidos que as
interpretações, fica claro que
nosso arsenal teórico de "resistência" ficou ridículo, diante
da velocidade dessas coisas
americanas.
Essa radical imposição de
uma nova vida está a exigir
pensadores novos, além de críticos de cinema, além de franceses "bodeados", tipo "ancien
régime", além de Virilios e de
Bourdieus, está a exigir discursos mais profundos que melancolias românticas ou depressões acadêmicas evocando o
"Angelus Novus", de Klee.
Precisamos pensar a partir de
uma derrota cultural, para encontrar um espaço de sobrevivência nacional, como em um
"pós-guerra". Sei que essas são
"idéias impensáveis", que provocam angústia e desconfiança, mas estamos diante de fatos
grávidos, novíssimos, viróticos,
infecciosos, que não são comandados por ninguém, mas
por um grande monstro mercantil "coisificado". No Brasil,
vemos algumas atitudes típicas:
* A atitude regressiva - "Como
era boa a nossa taba!...". Uma
fuga para trás, uma negação da
complexidade desse caos, em favor de categorias antigas. (Será
que só nos restará o "forró", o
precário, a teimosia "armorial",
o apego desesperado a nossas
pobres tradições? Será que só
nos resta a autenticidade da
miséria? Só a miséria seria brasileira?).
* O entreguismo deslumbrado, a adesão fascinada a esse
show pós-industrial.
* O rancor paralisado das academias, se limitando a analisar
o triunfo de Lucas e da sua
América, como a "última fase
do turbo-capitalismo fetichista".
* O discurso meio-tucano de
adesão crítica, com a velada esperança de comer as migalhas
que caem na mesa.
* Uma posição antropofágica
indolente que já está nos matando de indigestão.
* Uma melancólica e doce torre de marfim, uma depressão
iluminada.
* O "dane-se" puro e simples.
No entanto, como vamos nos
comportar diante dessa definitiva encrenca do país entre dois
pólos: o shopping center e o favelão, entre as bolhas de consumo pequeno-burguês e a miséria imunda das periferias?
Há uma idéia de mundo por
trás de nossas bandeiras ideológicas que não serve mais como
moradia da verdade.
Há um humanismo "fesandé"
que só serve para nos enganar e
consolar.
Vendo as galáxias explodindo, penso no Itamar Franco, no
Brizola, nos líderes maoístas do
MST, dizendo que vão derrubar
o capitalismo com enxadas, e
tenho vontade de sentar no
meio-fio e chorar lágrimas de
esguicho.
Tenho vontade de chorar, vendo o pensamento de "resistência" ingênua que continua a ver
o futuro do Brasil como um sebastianismo iluminado, uma
harmonia a ser conquistada por
um "povo autônomo".
Morreu para sempre o sonho
de autonomia. Esse discurso falido que ainda nos ilude e orienta tem de ser atualizado: futuro,
"coisas nossas", identidade.
Mesmo que a saída fosse o mais
radical fundamentalismo nacionalista, nós não teríamos
matéria religiosa, nem tradição
milenar, nem miséria sagrada,
nada que desse "liga" a algum
xiitismo.
Nós perdemos a guerra das estrelas não para os homens, mas
para as coisas. Sinto-me feito
aqueles japoneses que continuaram lutando sozinhos depois do fim da Segunda Guerra.
Só de uma coisa eu tenho certeza: todo discurso político que
não levar em conta a derrota da
esperança romântica será arcaico e ridículo. Nosso pensamento político-cultural continua a produzir apenas espasmos do insolúvel. Dirá de novo
meu leitor tecnopop: "Mas todo
esse papo-cabeça por causa de
um filmezinho comercial?".
Sim. Pois o mais assustador é
justamente a "inocência" infantil do filme, comparada à
imensa seriedade "ideo-mercadológica" do empreendimento.
Só nos resta a esperança maluca de que, após este ciclo de
voracidade do capitalismo global, surja uma "saciedade",
uma "barriga cheia" por parte
dos tecnoconquistadores, só nos
resta a esperança de que o mercado, abarrotado de lucros, demande algum desenvolvimento
da miséria para um novo tempo
de consumismo. A esperança é
que o fim da miséria venha a ser
uma necessidade de mercado.
Será que, um dia, vão achar que
os excluídos também podem
dar lucro? Será que um dia descerão novos "peaces corps" em
nosso lixão, para "civilizar-nos"? Este é um artigo sem clareza, sem conclusão.
Que estranha "terceira coisa"
vai surgir dessa mistura de miséria com tecnologia que cada
vez mais virou nosso país?
Que estranhos bichos vão nascer da liga entre lama e informática, bosta e digitalização,
ratos, barracos e naves espaciais? Teremos o que nesse novo
tempo?
Teremos uma tecnomiséria?
Um "tecno-analfabetismo"?
Uma "tecnofome"? O que será?
Que a Força esteja conosco!
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