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MÚSICA
Baterista, que gravou seu primeiro disco como intérprete aos 60 anos, lança novos sambas em "Brasão de Orfeu"
Wilson das Neves usa velha sorte em novo CD
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Wilson das Neves é uma prova
de que a vida pode recomeçar aos
60. Depois de quatro décadas tocando com a nata da música brasileira, como Elizeth Cardoso, Elis
Regina e Chico Buarque, o baterista se lançou em 1996 como cantor em "O Som Sagrado de Wilson das Neves", abrindo seu baú
de composições.
O disco produziu um clássico
instantâneo ("O Samba É Meu
Dom"), ganhou um Prêmio
Sharp, mas já foi expelido do catálogo da gravadora Cid.
Para preencher essa lacuna,
chega às lojas "Brasão de Orfeu"
(Quelé), em que Das Neves, agora
com 68, mostra um lote de sambas que combinam os ingredientes de sua formação: as orquestras
de bailes, o Império Serrano e um
prazer de viver que se reflete em
tudo o que faz, resumido em seu
bordão "ô, sorte". Flashes dessa
sorte estão na entrevista abaixo.
Folha - Como você descobriu que
o samba era seu dom?
Wilson das Neves - Quando vi, já
estava fazendo. Desde garoto,
sempre gostei de bateria. Nos
anos 40, havia aquelas jazz bands
e a bateria me fascinava.
Folha - Mas como começou a tocar profissionalmente?
Das Neves - Meu ídolo, Edgar
Nunes Roca, o Bituca, me levou
para a escola Flor do Ritmo. Depois, aos 18 anos, comecei a freqüentar o "ponto dos músicos",
na praça Tiradentes (centro), e fui
conhecendo pessoas. O primeiro
trabalho profissional foi no Dancing Brasil, na orquestra de Ubirajara Silva, pai do Taiguara.
Existem métodos, exercícios,
mas, para tocar mesmo, você tem
que ouvir, prestar atenção, porque tem as manhas, as jogadinhas. A gente nunca toca o que está escrito [na partitura], mas interpreta o que está escrito.
Folha - E como descobriu o Império Serrano?
Das Neves - A minha mãe era
baiana da escola. Então, a gente já
nascia no sistema de ser Império
Serrano. Quando era criança, eu
ia ver o desfile na praça Onze.
Mais tarde, em 1977, comecei a tocar na bateria. Agora não paro
mais de desfilar. A gente troca de
camisa, mulher, automóvel, mas
nunca de time e escola de samba.
Folha - Entre 1968 e 1976 você
gravou discos em que também tocava pop e rock, como "Juventude
2000". Você gostava?
Das Neves - Gostava. E não havia
como escolher. Hoje você pode se
especializar, mas antigamente tinha que tocar de tudo, se é que
queria ser profissional.
Folha - E a juventude 2000 está
gostando de samba?
Das Neves - Com certeza, até
porque tudo está na internet. E as
pessoas vão saturando de ouvir a
mesma coisa. Não falo de rock,
porque não tenho nada contra.
Mas é a música massificada, sempre igual, como no pagode.
Folha - Por que só em 1996 você
se lançou como cantor?
Das Neves - Fui chamado para
fazer um disco instrumental, mas
não quis. Já tinha feito outros e
nada tinha acontecido. Então, resolvi gravar minhas músicas. Eu
ia arrumar alguém para cantar
com a banda do Wilson das Neves. Mas aí o produtor falou: se
você cantar do jeito que canta, está bom. Eu não sabia que cantava.
Aliás, ainda não sei. Sou só intérprete das minhas músicas. Acabei
ganhando um prêmio de revelação aos 60 anos, o que é um negócio muito sério.
Folha - No disco anterior, você
homenageava Ciro Monteiro e
Mestre Marçal. Agora, Lupicínio
Rodrigues e Elizeth Cardoso. Reverenciar parece ser uma prioridade
para você.
Das Neves - Estou sempre agradecendo. Não peço mais nada a
Deus, porque já estou no lucro.
Sucesso nunca passou pela cabeça. Nem cantar, quanto mais dar
entrevista como cantor.
Folha - No seu novo disco, há várias músicas falando de desencantos, saudades, tristezas. Isso não
contrasta com o seu bom humor?
Das Neves - Mas eu sou apaixonado. E todo apaixonado está
sempre falando em amor, saudade, falta, carência.
Folha - Qual a receita para não
perder o humor?
Das Neves - É não esquentar a
cabeça. Porque quem esquenta a
cabeça é fósforo. Assim mesmo,
se mexer com ele. Sou brasileiro,
carioca, imperiano, flamenguista,
tudo de bom. Quando vejo quanto já gastei fazendo besteira na vida, penso que gostaria de ter feito
mais besteira ainda. Não me arrependo de nada.
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