São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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MÚSICA

Baterista, que gravou seu primeiro disco como intérprete aos 60 anos, lança novos sambas em "Brasão de Orfeu"

Wilson das Neves usa velha sorte em novo CD

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Wilson das Neves é uma prova de que a vida pode recomeçar aos 60. Depois de quatro décadas tocando com a nata da música brasileira, como Elizeth Cardoso, Elis Regina e Chico Buarque, o baterista se lançou em 1996 como cantor em "O Som Sagrado de Wilson das Neves", abrindo seu baú de composições.
O disco produziu um clássico instantâneo ("O Samba É Meu Dom"), ganhou um Prêmio Sharp, mas já foi expelido do catálogo da gravadora Cid.
Para preencher essa lacuna, chega às lojas "Brasão de Orfeu" (Quelé), em que Das Neves, agora com 68, mostra um lote de sambas que combinam os ingredientes de sua formação: as orquestras de bailes, o Império Serrano e um prazer de viver que se reflete em tudo o que faz, resumido em seu bordão "ô, sorte". Flashes dessa sorte estão na entrevista abaixo.
 

Folha - Como você descobriu que o samba era seu dom?
Wilson das Neves
- Quando vi, já estava fazendo. Desde garoto, sempre gostei de bateria. Nos anos 40, havia aquelas jazz bands e a bateria me fascinava.

Folha - Mas como começou a tocar profissionalmente?
Das Neves
- Meu ídolo, Edgar Nunes Roca, o Bituca, me levou para a escola Flor do Ritmo. Depois, aos 18 anos, comecei a freqüentar o "ponto dos músicos", na praça Tiradentes (centro), e fui conhecendo pessoas. O primeiro trabalho profissional foi no Dancing Brasil, na orquestra de Ubirajara Silva, pai do Taiguara.
Existem métodos, exercícios, mas, para tocar mesmo, você tem que ouvir, prestar atenção, porque tem as manhas, as jogadinhas. A gente nunca toca o que está escrito [na partitura], mas interpreta o que está escrito.

Folha - E como descobriu o Império Serrano?
Das Neves
- A minha mãe era baiana da escola. Então, a gente já nascia no sistema de ser Império Serrano. Quando era criança, eu ia ver o desfile na praça Onze. Mais tarde, em 1977, comecei a tocar na bateria. Agora não paro mais de desfilar. A gente troca de camisa, mulher, automóvel, mas nunca de time e escola de samba.

Folha - Entre 1968 e 1976 você gravou discos em que também tocava pop e rock, como "Juventude 2000". Você gostava?
Das Neves
- Gostava. E não havia como escolher. Hoje você pode se especializar, mas antigamente tinha que tocar de tudo, se é que queria ser profissional.

Folha - E a juventude 2000 está gostando de samba?
Das Neves
- Com certeza, até porque tudo está na internet. E as pessoas vão saturando de ouvir a mesma coisa. Não falo de rock, porque não tenho nada contra. Mas é a música massificada, sempre igual, como no pagode.

Folha - Por que só em 1996 você se lançou como cantor?
Das Neves
- Fui chamado para fazer um disco instrumental, mas não quis. Já tinha feito outros e nada tinha acontecido. Então, resolvi gravar minhas músicas. Eu ia arrumar alguém para cantar com a banda do Wilson das Neves. Mas aí o produtor falou: se você cantar do jeito que canta, está bom. Eu não sabia que cantava. Aliás, ainda não sei. Sou só intérprete das minhas músicas. Acabei ganhando um prêmio de revelação aos 60 anos, o que é um negócio muito sério.

Folha - No disco anterior, você homenageava Ciro Monteiro e Mestre Marçal. Agora, Lupicínio Rodrigues e Elizeth Cardoso. Reverenciar parece ser uma prioridade para você.
Das Neves
- Estou sempre agradecendo. Não peço mais nada a Deus, porque já estou no lucro. Sucesso nunca passou pela cabeça. Nem cantar, quanto mais dar entrevista como cantor.

Folha - No seu novo disco, há várias músicas falando de desencantos, saudades, tristezas. Isso não contrasta com o seu bom humor?
Das Neves
- Mas eu sou apaixonado. E todo apaixonado está sempre falando em amor, saudade, falta, carência.

Folha - Qual a receita para não perder o humor?
Das Neves
- É não esquentar a cabeça. Porque quem esquenta a cabeça é fósforo. Assim mesmo, se mexer com ele. Sou brasileiro, carioca, imperiano, flamenguista, tudo de bom. Quando vejo quanto já gastei fazendo besteira na vida, penso que gostaria de ter feito mais besteira ainda. Não me arrependo de nada.


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