São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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Menos pop e com melodias enxutas, Los Hermanos lança quarto disco; músicos evitam falar sobre a situação política

Menos estranhos

Alexandre Campbell/Folha Imagem
Da esq. para dir., Marcelo Camelo, Rodrigo Barba, Rodrigo Amarante e Bruno Medina, que lançam o quarto CD do Los Hermanos


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

O ouvinte do novo CD do Los Hermanos possivelmente vai reparar que, entre a sexta e a sétima faixa de "4", há um silêncio maior do que o habitual. Mas não ajuda muito perguntar à banda o que significa aquele intervalo.
"É, tem um espaço ali...", diz o cantor/compositor/guitarrista Rodrigo Amarante, ecoando a pergunta. Diante da expressão desanimada do repórter, ele volta a falar: "Quando a gente faz um negócio, não quer dizer uma coisa. Aquilo ali vai dizer se tiver que dizer. Nada é para ser entendido. Não tem nenhum enigma no disco do Los Hermanos."
A declaração taxativa, feita anteontem em um restaurante do Rio, pode parecer má vontade do entrevistado, mas não se pode negar que haja uma coerência em tudo o que os Hermanos fazem.
A cada disco o quarteto barbudo se despe mais dos badulaques sonoros e verbais do mundo pop. Enxuga melodias, letras, temas. Rejeita os caminhos fáceis. O resultado são entrevistas com mais reticências do que afirmações, o que pode desarmar quem depende de respostas para viver.
"Por que a gente vai explicar? O interessante é confundir. Não no sentido de criar um enigma a ser resolvido ou alguma dificuldade. Mas uma obra de arte tem que refletir o olhar de quem vê. Para isso, é preciso que haja espaço. Se ele está preenchido, a obra não vai dizer nada", diz Amarante.
Talvez, então, deva-se informar ao leitor apenas o seguinte sobre "4": é o quarto disco do Los Hermanos; contém 12 faixas; sete foram compostas pelo também cantor e guitarrista Marcelo Camelo e cinco, por Amarante; a capa é uma pintura de Amarante, e não há fotos da banda no CD; custa R$ 29, em média.
Mas, preenchendo um pouco do "espaço", também é possível afirmar que é o disco menos "rock" do grupo. Predominam canções suaves, intimistas, várias delas melancólicas, com arranjos que dispensam muitos instrumentos e se valem de elementos não muito comuns na seara pop, como fagotes, trompas e um vibrafone.
"Cada disco nosso é um recomeço. Isso ainda está mais latente e visível [em "4"]. Começamos do zero mesmo, até na estrutura que montamos no sítio. Não queríamos aquele tipo de montagem [de instrumentos] que iria beneficiar os arranjos mais rock. Queríamos permitir que arranjos mais silenciosos aparecessem", diz Medina.
Tradução para "sítio": os Hermanos se isolam em alguma casa da região serrana do Estado do Rio para conceber seus CDs. Ficam sem telefone e televisão, dedicando-se apenas a compor, tocar, pensar -e jogar pingue-pongue e totó (pebolim). Para criar "4", o grupo ficou entre 15 de fevereiro e 30 de março deste ano na serra.
Só depois iniciaram as gravações no estúdio do produtor Kassin. A masterização acabou em 7 de julho, o que significa que o CD levou cinco meses para ficar pronto. "Nossos processos são mais longos do que os convencionais", diz Medina. Ao contrário da maioria das bandas, os Hermanos só lançam disco de dois em dois anos.
Esse hiato permite que haja mudanças significativas entre um CD e outro. "Ventura", o anterior, ainda tinha bastante rock, mesclado com sambas e canções, e letras de conteúdo mais explícito, como "Samba a Dois", "O Vencedor" e "Cara Estranho".
"As minhas letras estão mais simbólicas do que eram, menos literais. É como se eu estivesse olhando mais de cima. Isso parte da autocrítica, da rejeição do que já se fez", explica Camelo sua intenção de não se repetir.
Esse lirismo simbólico, falando de amor, mar, morena, sonho, lágrima, chega às lojas em um momento crítico do país. Mais uma vez evitando o convencional, os Hermanos rejeitam ser uma banda com posições políticas explícitas. "Eu me sinto afetado [pela crise] como cidadão médio. Tenho opiniões mais genéricas, com pouco conhecimento de causa", afirma Camelo, dizendo-se mais apto a falar, por exemplo, "das casas de shows do Brasil". "Ou de comida de avião", acrescenta Amarante, antes de dar uma opinião mais firme.
"A gente não vai abrir a boca para dizer "Abaixo a corrupção!" ou "Justiça!". Porque a gente imagina que isso é vazio, é só uma pose. Contestar é um ato de grande responsabilidade. Deve ser, pelo menos", diz ele, declarando-se "um otimista".
"A decepção tem um lado positivo, que é a saída do estado de ilusão. Isso é saudável para o país, para a política. Você só se decepciona se tiver uma ilusão", afirma ele, para quem "tentar emocionar tem um poder político enorme". "A pessoa emocionada quer ser mais doce ou menos escrota. Acho que isso é mais abrangente e duradouro [do que mensagens explícitas]."
Avessos a maiores explicações, os Hermanos resumem seu trabalho pelo viés da emoção. "Na dúvida, a melhor bússola é o coração", diz Medina. "O único compromisso que a gente tem é com nosso próprio afeto", resume Camelo.


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