São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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POPLOAD

iPod, logo existo

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

Dia destes um leitor escreveu perguntando por que se falava tanto em iPod nesta coluna e nunca em outro tocador de MP3.
Lembro que, em viagem, respondi rapidamente que a constante citação ao iPod, o aparelho da Apple, não é pela marca em si, mas sim por causa da história.
História mesmo. Foi inevitável não lembrar do leitor quando, perambulando por Roma, vi um número razoável de pessoas com o moderno fone à mostra indo visitar o Coliseu, do 80. Do ano 80, veja bem, não dos "anos 80".
Enquanto gente com a "little white box" pendurada entrava e saia do Pantheon romano, na Inglaterra era visto nas livrarias o livro "iPod, Therefore I Am", de Dylan Jones, que traz no título uma corruptela do "Penso, logo existo", frase do filósofo francês René Descartes. Não deixa de ser cartesiano dizer que a jukebox mudou o planeta e revolucionou o modo de escutarmos a música hoje.
A capa de "iPod, Therefore I Am" é uma foto que busca inspiração nas famosas propagandas da Apple e na famosíssima escultura "O Pensador", de Rodin: vê-se a silhueta escura de um sujeito sentado, em posição de... pensador, e fones brancos saindo da orelha.
Pelo o que eu li, Dylan Jones conta a história do aparelhinho branco "mágico", eleva o designer inglês Jonathan Ive, da Apple, à categoria de deus ("Armani da Apple", "Beckham do design") e mistura suas memórias pessoais e uma visão divertida da "nova era da apreciação musical".
Jones chega a sugerir uma comunhão entre sua existência e um iPod. Ele era um cara que cresceu ouvindo punk, curtia Nirvana e Sinatra, hoje adora hip-hop. E no livro fez uma lista das 175 melhores músicas dos Beatles e os cem melhores discos de jazz de todos os tempos. Tudo isso, que faz parte de sua memória, cabe na memória de um iPod.

O pop e o terror
Em 2001, na semana dos eventos terroristas que abalaram os EUA e representaram o fim do mundo como o conhecíamos, uma dupla eletrônica era a aposta da famosa maratona de shows do CMJ Music Marathon e ia fazer recomendadíssimo show no dia 8 de setembro. Seu nome: I Am the World Trade Center.
Agora em 2005, de novo o pop roça os acontecimentos macabros, desta vez na Inglaterra. Três dias antes do pânico nas ruas de Londres, foi entregue às lojas o CD de estréia do simpaticíssimo e festejado Hard-Fi, grupo britânico que fez a música mais alto astral do verão inglês, a deliciosa "Hard to Beat".
O disco do Hard-Fi é batizado de "Stars of CCTV". CCTV é o sistema de câmeras espalhadas por toda Londres. No ano passado, elas ajudaram a resolver o assassinato de uma moça ao reconstituir todo o dia da garota: pegando ônibus para trabalhar, andando na rua, pegando ônibus para voltar para casa...
Uma das intenções do Hard-Fi com a história da CCTV era mostrar o quanto as bandas novas -que demoram para chegar à MTV- viram estrelas das câmeras e da vigilância londrina por tocarem sem aviso no metrô, nas portas dos pubs.
Acontece que nunca se falou tanto nas câmeras da CCTV. Só que não pela música. Não pelo Hard-Fi. As verdadeiras "estrelas da CCTV", hoje, são os terroristas que explodiram Londres em julho e que as tais câmeras conseguiram mostrar a cara.


@ - lucio@uol.com.br

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