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Crítica/coletânea
Contos de Nelson de Oliveira investem no sobrenatural
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Se há um adjetivo largamente utilizado neste livro e que apresenta força
expressiva capaz de, ao mesmo
tempo, caracterizar todas suas
histórias, este adjetivo é "sobrenatural". Sua acepção encontra eco em palavras de sentido assemelhado também empregadas com freqüência na
obra, como "irreal", "angustiante", em geral implicando algo vizinho dos pesadelos.
Isso quer dizer que essas narrativas do paulista Nelson de
Oliveira não têm o pé fincado
numa realidade facilmente reconhecível. Não se deduz daí
que não haja realidade, mas sim
que esta seja dotada de uma espécie de qualidade polimorfa.
Os personagens podem configurar-se como uma coisa ou
outra; tome-se a protagonista
de "Senhora aos Domingos",
por exemplo, que tanto pode
ser uma respeitável velhota que
sonha ser uma indigente ou
uma indigente que sonha ser
uma respeitável velhota. Não
são apenas os personagens que
exibem esse caráter fluido;
também o tempo e mesmo o espaço, com seus contornos imprecisos, parecem equilibrar-se num frágil acordo com o real.
Esses elementos conferem às
histórias o tom sobrenatural,
fortemente condicionado ao
clima onírico (ou pesadelar), de
coisa fora do eixo.
Embora publicado agora, este livro é composto por histórias do início da carreira do escritor. Conforme explica Oliveira, em nota final, elas foram
redigidas em torno de 1989. O
alentado conjunto inicial, constituído de 45 contos, teve de ser
desmembrado. As primeiras
reuniões originaram os bons
volumes "Naquela Época Tínhamos um Gato" e "Treze".
"Algum Lugar em Parte Alguma" é, então, a quarta e última
parte dessas "Fábulas" (o título
genérico é do autor) de quase
duas décadas atrás.
Como fruto derradeiro, o livro padece da sina de ser "raspa
de tacho". Há aqui exemplos do
melhor que Oliveira pode oferecer-nos em termos artísticos,
como o citado "Senhora aos
Domingos" ou "Pobre Patinho
Frank, Cheio de Si e de Vento",
lado a lado com narrativas bem
menos felizes, como "Marli" e o
conto epônimo "Algum Lugar
em Parte Alguma".
Nestas últimas é mais comum perceber certo desleixo
de estilo, uso desnecessário de
locuções desgastadas ("desabalada carreira"), aproximações
esdrúxulas ("marchava com a
infinita lentidão dos professores e dos condenados", "com
sua franja de filme de gângster
francês") e até frases herméticas ("não o tipo de gozo estético
muito próximo de uma religiosidade informe") ou sem sentido ("os objetos e suas respectivas sombras guardavam ainda
o calor do manuseio"; como as
sombras podem guardar o "calor do manuseio"?).
É claro que o investimento
no sobrenatural é tanto mais
eficiente quanto mais conta
com o esteio do rigor estilístico,
como é o caso do excelente "Os
Antepassados, os Porcos", em
que um velho casarão familiar é
tomado por uma manada de
suínos. Essa quase novela que
lembra Cortázar sustentaria,
por si, um volume inteiro. Do
jeito como está, porém, o leitor
é infelizmente obrigado a separar o joio do trigo.
ALGUM LUGAR EM PARTE
ALGUMA
Autor: Nelson de Oliveira
Editora: Record
Quanto: R$ 41,90 (288 págs.)
Lançamento: quarta-feira, às 19h, na
Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho,
915, SP, tel. 0/xx/11/3814-5811)
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