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GASTRONOMIA
Uma revista gostosa de ler
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
A revista americana "New
Yorker", de vez em quando,
solta um número especial sobre
comida e o número que está nas
bancas, de 19 de agosto, está ótimo.
Há sempre uma pequena crítica
de restaurantes, e temos o Bouley,
120 West Broadway (tel. 00/xx/1/
212/9642-5225), que, por estas incoerências do destino, depois que
mudou de lugar, não está se enchendo de gente faminta.
Já foi tido como um dos melhores da cidade, se não o melhor, e
atualmente anda meio vazio. É
um lugar que pede gente, tem pé-direito alto e abobadado, o que
causa o desagradável fenômeno
acústico de se escutar mesmo as
conversas sussurradas de mesas
distantes. O que, para mim, seria
um prato cheio, mas não o é para
todo o mundo, tenho que concordar. A comida continua boa. O
crítico comenta que os ingredientes são bem dos anos 90, feitos para impactar, tocar os sentidos,
madeleines moderníssimas e exóticas, novas experiências, novas
emoções, com o resultado quase
sempre inevitável de uma boa indigestão. Mas, como Boulud é um
cozinheiro excepcional, as misturas se combinam sem atrito, apesar de os nomes não baterem com
ritmo nos nossos paladares. Há as
entradinhas de verão, que parecem demodées, uma colher de
chá de siri debaixo de uma gelatina de gaspacho, coberta por um
bocado de abacate, ou camadas
de manga, lagosta, papaia, alcachofra trufada embrulhadas em
presunto cru. Eca, dirão alguns, e
a mandioquinha frita?
Quem diria, aqueles americanos
dos hambúrgueres e das tortas de
maçã comem destas gororobas
com grande alegria, mas não são
americanos de verdade, são nova-iorquinos, o que é uma raça diferente. "You've come a long way,
baby!", como diriam os cigarros
Virginia.
Quando estivemos no Midwest,
fomos convidados a jantar numa
casa típica americana, ou típica
do Midwest, com ingredientes
frescos, a mulher cozinhando etc.
e tal. Na hora da sobremesa, um
dos convidados, fazendeiro amigo dos anfitriões, com os olhos
úmidos, agradeceu a tigela de
translúcidos pêssegos que veio à
mesa. "Não acredito, vocês estão
nos servindo pêssegos brancos!"
Na "New Yorker" de agosto, o
artigo, "O Detetive das Frutas", de
John Seabrook, fala de David
Karp, um homem que corre os
Estados Unidos atrás de frutas
exóticas, ou em extinção, ou simplesmente boas (como o pêssego
branco). A reportagem é naquele
tom de novo jornalismo em que o
repórter é capaz de acompanhar o
entrevistado por um ano e depois
rever a vida dele em mínimos detalhes em cinco laudas.
Atualmente comer uma fruta
com o gosto que ela tem quando
colhida da árvore é um feito, e a
missão de Karp é trazê-lo de volta.
Mantém correspondência ferrada
com pesquisadores como ele no
mundo inteiro, compra livros sobre o assunto, escreve em jornais.
Na verdade, a diversidade étnica
americana não é espelhada nos
supermercados e as frutas preferidas dos americanos, em ordem
decrescente, são as bananas (!),
maçãs, melões, laranjas, uvas,
grapefruits, morangos, pêssegos e
pêras.
Karp , o detetive maluco quer,
além de tudo, descobrir qual será
o próximo kiwi. No momento,
desconfia da pitaya, que se assemelha por fora com o maracujá
doce, ou com o figo-da-índia (Hilocereus undatus). É vendida aqui
no Brasil como colombiana e, na
última estação, apareceu numa
versão brasileira, vermelha, com
asas, excrescências, uma alcachofra rubra, coisa linda de tirar o fôlego. Já vi a pitaya num desenho
de Debret, mas a do tipo maracujá
doce por fora. É deliciosa, eu
acho, cortada ao meio, comida
com colherinha, uma receita dos
deuses de um pudim finíssimo e
equilibrado, pudim, não, mousse,
branca com pintinhas negras. Tão
difícil descrever uma fruta...
O que não é problema para o
detetive Karp, que enfrenta o conhecimento de uma nova variedade como um obsessivo conhecedor de vinhos, levando em conta o terroir, o cultivo, a produção
em pequena escala. O grande gosto que ele tenta achar em toda a
fruta é como o gosto da caça, elusivo, mas ali, firme, ainda não vitimado pela produção em massa e
pelo transporte. Ele quer o pêssego branco com pele de veludo,
frágil, escorrendo suco doce, daquelas frutas que você tem que
comer se curvando um pouco para a frente a fim de não manchar o
peito da camisa.
Bem, tem muita coisa interessante nesta "New Yorker". Vale a
pena comprar e ler com carinho,
ou guardar para ler depois.
ninahort@uol.com.br
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