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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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O álbum negro


Jair Oliveira sublinha identidade black em seu terceiro disco adulto


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Jair Oliveira, 28, programou uma série de mudanças para seu terceiro disco em idade adulta, "3.1". Elas são percebidas desde o cabelo agora em estilo black e a capa do disco, toda preta, em contraste com a brancura de "Outro" (2002), o álbum anterior.
Filho de pai negro (o cantor Jair Rodrigues) e mãe de descendência japonesa-portuguesa-índia, fala sobre se os símbolos de embalagem viajam à música. "Vejo-me como um artista negro, mas não tento fazer disso uma grande coisa. Não faz tanto sentido no Brasil, aqui é tanta mistura."
Completa: "É claro que tenho aquele orgulho de representar uma raça que é minoria. É interessante deixar isso aparecer numa área em que o preconceito não limita a ação, como é o caso do esporte e da música".
Cita como exemplo o uso que faz do samba, para ele a "música mais tipicamente negra" do Brasil. Ressaltam-se aí referências cruzadas que ele já costumava citar, da influência que diz sofrer de Djavan e João Bosco.
Em "3.1" a bossa branca-negra de Djavan cede primazia a referências da fase mais afro do sambista branco João Bosco, que aparecem já na faixa de abertura do disco, "Contigo Sempre".
"Até convidei João Bosco para participar de "Anjo Guardião", mas ele não pôde. Fui influenciado por ele principalmente nos sambas, mas acho que a influência de Djavan era mais explícita."

Produtor, autor, artista
Outra mudança capital Jair Oliveira descreve na tentativa de fazer sobressair a face de cantor e artista, em mosaico com os privilégios do produtor-compositor dos outros discos.
"Durante o processo, conversei muito com [o presidente da gravadora Trama] João Marcello Bôscoli. Ele dizia que sentia falta do Jair artista, o que era uma percepção que eu vinha tendo também", explica.
Não é que esteja querendo forjar uma identidade "pop star", como a embalagem sexy/agressiva pode sugerir. "Com o tempo a gente vai aprendendo a cantar de maneira melhor, peculiar, única", redireciona, falando do desejo de se atirar mais à interpretação.
Mais mudança: "3.1" conta com um corpo novo de parceiros musicais, em troca do processo muitas vezes solitário de compor. Estão ali Tom Zé, Arnaldo Antunes e Otto, entre outros.
Jair cruza os temas da postura artística e das novas parcerias: "Identifiquei-me com Tom Zé quando ele me contou que numa época quase teve de desistir da carreira e que, mesmo assim, nunca foi de reclamar".
Afirma que também tem "problema" com a questão de Tom Zé. "Tenho isso não só na carreira artística, de ser um cara que acaba respeitando demais a opinião alheia e até se prejudica por não conseguir confrontar."
É outro ponto que "3.1" procura "agulhar", como ele diz. Acontece em "Língua Quente", contra alguém que reclamou de seus discos falarem demais de amor, e "Todo Mundo Famoso", de crítica ao culto das celebridades.
Concorda que há ali um laço com sua própria história, de menino-prodígio se expondo de roldão na Turma do Balão Mágico -houve até um álbum solo infanto-juvenil, chamado "Brincando de Carinho".
"Não renego aquele período, mas hoje não me representa artisticamente. Eu só ia cantar, não opinava no repertório nem tinha maturidade para dizer não." Hoje, o não (que é sim) tenta fazer morada na capa preta de "3.1".


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