São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Criador do sintetizador "comercial" conta trajetória dos sons eletrônicos

"Retrofuturismo" traz "feiticeiro" de volta à cena

STÉPHANE DAVET
DO "LE MONDE"

Na grande convenção da Internacional Eletrônica, em Barcelona, por ocasião do Sónar, um septuagenário com cara de cientista distraído destoava em meio à juventude boêmia. Robert Moog estava lá para fazer uma palestra, espremida entre dois sets de DJs. Autodefinido como "cahoona" ("feiticeiro", em polinésio) da tecnologia, o norte-americano é testemunha de que a música eletrônica, apesar de seus ares futuristas, tem um passado.
Seguindo o exemplo de Thaddeus Cahill e seu Telharmonium, de Jörg Mager e seu Sperophone, de Maurice Martenot com as ondas Martenot ou de Max Mathews, o primeiro a sintetizar sons em computador, Robert Moog, inventor do primeiro sintetizador "comercial", é um pioneiro das máquinas musicais.
Na adolescência, entusiasmado por montar coisas, se deixou envolver pela magia do Thereminvox. Criado em 1920 pelo russo Lev Sergeyevitch Theremin, o aparelho consiste de duas antenas e não requer contato físico entre o músico e a máquina. Ao mover a mão entre as antenas, se produz um vibrato.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o instrumento começou a ser ouvido na trilha sonora de filmes de terror e de ficção científica. "Aqueles sons me intrigavam", diz Robert Moog, "mas o que me fascinava mais era a tecnologia do aparelho, aqueles tubos, aqueles osciladores. Havia revistas que explicavam como montar um Theremin a partir de um kit, e foi assim que comecei".
Engenheiro eletrônico, seu pai transformara uma sala na casa da família em um pequeno laboratório. Com o filho, passou a se divertir vendendo a invenção do soviético. Em uma época na qual a música eletrônica não passava de um artesanato balbuciante, os sonhos dos usuários deram forma às idéias para o futuro. "O que deflagrou o processo", recorda o inventor, "foi um encontro com Herbert Deutsch, professor que ensinava solfejo usando um Theremin. Ele também compunha e tinha paixão por registrar sons eletrônicos. Propus construir uma máquina para ele". Em 1964, o primeiro sintetizador modular suscitou tamanho interesse que Moog decidiu empreender fabricação em escala maior.
O inventor se diverte ao imitar as notas geradas por sua invenção. "Contribuí com duas inovações principais, a redução da dimensão das máquinas, que até ali ocupavam salas inteiras, e o comando da tensão do oscilador, do filtro e da amplificação. O som obtido deixava de ser linear e se tornava evolutivo."
Os ruídos bizarros seduziram uma indústria sempre ávida por engenhocas. "Numerosas estações privadas de rádio e TV dos EUA davam emprego a muitos produtores especializados em efeitos sonoros e jingles. Eles rapidamente adotaram o Moog como equipamento. Por volta de 1967, a maior parte dos norte-americanos já tinha ouvido o som de um sintetizador Moog, sem saber do que se tratava", diz.

O jazz e o funk também
Ninguém havia percebido o verdadeiro potencial musical desses sintetizadores até 1968, quando foi lançado "Switched on Bach", de Walter Carlos, transformado em Wendy Carlos, por obra de uma operação. Ele(a) adaptou Beethoven e Rossini para sintetizadores, depois de Bach, e compôs a trilha sonora do filme "Laranja Mecânica" (1971), de Stanley Kubrick.
Os sintetizadores de Robert Moog vieram a se constituir em gênero musical separado. "Moog Plays the Beatles", "Moog Power", "Moog Strikes Bach".
No começo dos anos 70, o rock começou a exibir tendências futuristas e neoclássicas e se tornou um novo campo para experiências. Moody Blues, Emerson, Lake & Palmer, Yes e Edgar Winter são alguns dos usuários das ondulações sonoras características dos produtos Moog, em seus discos e nos palcos.
Um dos modelos, o Minimoog, cujo tamanho e facilidade de operação eram revolucionários, se tornou equipamento padrão do rock progressivo. O jazz, com Herbie Hancock e Chick Corea, e o funk, com o Funkadelic de George Clinton, não se deixaram ficar para trás.
Em 1971, a empresa de Moog empregava 42 pessoas e tinha um catálogo com mais de 25 modelos. Mas o declínio começava. Robert Moog vendeu sua parte na empresa à Norlin Music, que continuou produzindo seus sintetizadores até a metade dos anos 80.
O inventor reduziu seu ritmo de trabalho nessa época, que marcou a chegada da tecnologia digital. Se a música eletrônica voltou a prosperar com o hip hop, house e tecno, a era digital, os samplers e os controles informatizados tornaram obsoletos os sintetizadores analógicos, cujos sons sempre foram difíceis de dominar e cuja reprodução era complicada.
Mas, no começo dos anos 90, artistas como Air, Beck e Radiohead redescobriram os sintetizadores do passado. Relançada em Ashville (Carolina do Norte), a Moog Music vem aproveitando o sucesso da moda "retrofuturista". O "cahoona" continua a supervisionar o lançamento de novos produtos, como o Minimoog Voyager, combinação de sintetizador analógico e memória digital.
Mas, aos 70 anos, Robert Moog aspira a uma vida mais tranqüila. "Com minha mulher, professora de filosofia aposentada, me interesso pela natureza da realidade. Vim a compreender recentemente que o mundo físico é apenas um dos níveis dessa realidade. Cada vez mais cientistas estão conscientes de que existem outros níveis de tempo e espaço."
E, para ilustrar essa busca de uma nova dimensão, nada melhor do que imaginar as estranhas modulações de um Moog.


Tradução de Paulo Migliacci

Texto Anterior: "Mago", Jeff Mills ultrapassa limites da dance music
Próximo Texto: Artes: Mostra relativiza espírito bélico norte-americano
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.