São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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ARTES

"Memoriais de Guerra" está em cartaz no museu Whitney de Nova York

Mostra relativiza espírito bélico norte-americano

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

"Estou ficando cansado de memoriais de guerra", diz David Kiehl, curador da exposição que tem esse nome, "Memoriais de Guerra", aberta à visitação no quinto andar do museu Whitney, em Nova York, há pouco mais de uma semana.
Não há contradição. A sala, na verdade, é toda ela um monumento antiguerra, um libelo pacifista exposto num dos mais importantes museus dos EUA, servindo também para "saudar" a Convenção Republicana, diz Kiehl, que chega à cidade para, nos próximos quatro dias, confirmar a candidatura do presidente George W. Bush à reeleição.
Reúne obras como "O Alfabeto Atômico" (1980), de Chris Burden, que atribui uma palavra, um ideograma e uma imagem a cada letra do tal abecedário. Entre elas a de um bebê de duas cabeças no M de mutante.
E, para que se entenda logo o espírito da coisa, uma das gravuras da série "Projetos" (1970), de Robert Morris, sobre possíveis novos monumentos, descreve o modelo de "Arquivo da Infantaria: Para Ser Visitado com Pés Descalços": num espaço público, blocos ao redor de cadáveres nus -cada soldado exibindo um tipo distinto de ferimento de guerra.
Mas a contundência da crítica não atinge só o atual governante, que de fato já se definiu como um "war president" (expressão que pode ser traduzida como "um presidente num período de guerra", mas também como "presidente da guerra"). Até os democratas procuram esquecer as críticas que o seu atual candidato, John Kerry, fez à Guerra do Vietnã quando de lá voltou, acusando seus companheiros de Exército de cometerem atrocidades sádicas.
O pressuposto da exposição é que esse espírito bélico e apoio irrestrito à ação militar que ainda se vê entre os políticos americanos não é unânime no país.
Desde o Vietnã, pode ler o visitante, houve "profunda mudança e divisão na percepção nacional" sobre as guerras, "que persiste em toda a sua ambigüidade até hoje".
A boa tese de Kiehl é que essa divisão ou ambigüidade vem à tona e se dá à percepção de dois modos: explicitamente nas obras que ele reuniu na mostra e menos escancaradamente nas mudanças que sofreram os próprios monumentos que celebram as participações americanas em guerras.
Ele afirma que memoriais de guerra deixaram de ser simbólicos -estátuas recordando feitos históricos ou batalhas específicas- para se tornarem "pessoais": o monumento em memória ao Vietnã teria sido o primeiro, ele diz, a simplesmente listar os nomes dos mortos, como maneira de recordar a guerra.
O procedimento também foi utilizado para lembrar o ataque do 11 de Setembro às torres do World Trade Center. Claramente, para Kiehl, a mudança denota falta de orgulho no feito que está sendo lembrado. Levando a idéia ao limite, diz: "Um memorial para a Guerra do Iraque seria ridículo".
O passo seguinte, realizado com mão às vezes um pouco pesada, está nas obras dos antimemoriais do Whitney. Em mais uma da série "Projetos", o artista apresenta o modelo para o monumento "Cratera com Fumaça", que lembraria uma hipotética guerra com um buraco no chão.
A sala parece pertencer a um país diferente das obras expostas no espaço ao lado, em que obras da juventude de um dos maiores pintores americanos do século 20, Edward Hopper, já trazem a solidão calma característica de seus quadros, envolta em manhãs e entardeceres em paz.


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