São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2008

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Crítica/"O Retorno"

Diretor mostra o que não mudou no sertão

DO COLUNISTA DA FOLHA

Os documentários "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho, e "O Tempo e o Lugar" (2008), de Eduardo Escorel, já adotavam o procedimento de voltar, anos depois, a lugares e personagens filmados anteriormente, e incorporavam no filme "novo" imagens do "antigo".
Em "O Retorno", de Rodolfo Nanni, essa operação se radicaliza: o veterano cineasta, realizador do clássico infantil "O Saci" (1953), voltou às regiões do semi-árido nordestino onde havia filmado, em 1958, o documentário "O Drama da Seca".
A sobreposição das vívidas imagens atuais com as captadas em preto-e-branco há meio século produz uma espécie de vertigem.
Por um lado, tudo mudou: nas camisetas com logotipos conhecidos, nas motos que acompanham um funeral, numa ou noutra antena de TV, aquele fim de mundo recebe as sobras da moderna sociedade de consumo.
Mas tudo continua como era: os lavradores dependendo do trabalho de sol a sol e do Bolsa Família para sustentar sua numerosa prole, sempre à mercê das imprevisíveis chuvas.
Há em "O Retorno" uma curiosa tensão interna. Cineasta de formação refinada, que estudou pintura e cinema em Paris, Rodolfo Nanni se entrega, em vários momentos, à busca claramente estética, refletida nos belos enquadramentos, na captação delicada da luz (a fotografia é de Roberto Santos Filho), na sutil trilha sonora de Anna Maria Kieffer.
Mas esse impulso de arte é, de certo modo, sufocado pelo viés sociológico e por uma intenção política demasiado explícita. A locução, pelo próprio diretor, é discursiva e reiterativa, lembrando as denúncias sociais da época do CPC (Centro Popular de Cultura) do início dos anos 60.
Tudo bem que as mazelas são praticamente as mesmas, mas o discurso -tanto político como cinematográfico- não precisa se repetir.
A arte atenta para o inesperado, o único; a sociologia e a política, ao contrário, buscam o padrão, a estatística.
Em "O Retorno", convivem as duas coisas: a curiosidade pelo singular (como na cena em que velhas índias realizam sua dança ritual numa choça de pau-a-pique) e a ânsia por uma explicação globalizante e homogeneizadora. A vida escapa pelas bordas. (JGC)


O RETORNO
Produção: Brasil, 2008
Direção: Rodolfo Nanni
Onde: estréia hoje no Cine Bombril e no Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom



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