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Crítica/"O Retorno"
Diretor mostra o que não mudou no sertão
DO COLUNISTA DA FOLHA
Os documentários "Cabra Marcado para
Morrer" (1984), de
Eduardo Coutinho, e "O Tempo e o Lugar" (2008), de Eduardo Escorel, já adotavam o procedimento de voltar, anos depois, a lugares e personagens
filmados anteriormente, e incorporavam no filme "novo"
imagens do "antigo".
Em "O Retorno", de Rodolfo
Nanni, essa operação se radicaliza: o veterano cineasta, realizador do clássico infantil "O Saci" (1953), voltou às regiões do
semi-árido nordestino onde
havia filmado, em 1958, o documentário "O Drama da Seca".
A sobreposição das vívidas
imagens atuais com as captadas
em preto-e-branco há meio século produz uma espécie de
vertigem.
Por um lado, tudo mudou:
nas camisetas com logotipos
conhecidos, nas motos que
acompanham um funeral, numa ou noutra antena de TV,
aquele fim de mundo recebe as
sobras da moderna sociedade
de consumo.
Mas tudo continua como era:
os lavradores dependendo do
trabalho de sol a sol e do Bolsa
Família para sustentar sua numerosa prole, sempre à mercê
das imprevisíveis chuvas.
Há em "O Retorno" uma curiosa tensão interna. Cineasta
de formação refinada, que estudou pintura e cinema em Paris,
Rodolfo Nanni se entrega, em
vários momentos, à busca claramente estética, refletida nos
belos enquadramentos, na captação delicada da luz (a fotografia é de Roberto Santos Filho),
na sutil trilha sonora de Anna
Maria Kieffer.
Mas esse impulso de arte é,
de certo modo, sufocado pelo
viés sociológico e por uma intenção política demasiado explícita. A locução, pelo próprio
diretor, é discursiva e reiterativa, lembrando as denúncias sociais da época do CPC (Centro
Popular de Cultura) do início
dos anos 60.
Tudo bem que as mazelas são
praticamente as mesmas, mas
o discurso -tanto político como cinematográfico- não precisa se repetir.
A arte atenta para o inesperado, o único; a sociologia e a política, ao contrário, buscam o padrão, a estatística.
Em "O Retorno", convivem
as duas coisas: a curiosidade
pelo singular (como na cena em
que velhas índias realizam sua
dança ritual numa choça de
pau-a-pique) e a ânsia por uma
explicação globalizante e homogeneizadora. A vida escapa
pelas bordas.
(JGC)
O RETORNO
Produção: Brasil, 2008
Direção: Rodolfo Nanni
Onde: estréia hoje no Cine Bombril e
no Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: livre
Avaliação: bom
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