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A lata é da lata
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Há dez anos, a mocidade alegre
das cidades litorâneas do sudeste
comemorou um verão que, como
diz a canção de Gilberto Gil, foi
mesmo o apogeu da primavera.
Naquele final de 1987, latas carregadas de canabis sativa vieram dar
nas praias do Brasil.
A novidade transformou-se em
mania, e a expressão "da lata",
que especificava a procedência do
produto, de excelentes características segundo os experts e usuários, incorporou-se ao vocabulário geracional. Virou gíria para designar coisas de boa qualidade.
Uma década, portanto, depois
desse que foi o verão inesquecível
dos anos 80, uma nova lata chega
ao país, trazendo em seu interior
parte da história musical e sentimental daquela geração.
O conteúdo dessa lata, que reúne
a carreira dos então Paralamas do
Sucesso, hoje simplesmente Paralamas, é também poderoso e capaz
de deixar o pensamento à deriva,
mergulhando num passado recente, mas já suficientemente distante
para ser evocado e revisto.
A contribuição do trio formado
por Herbert, Bi e Barone para a
evolução da música moderna de
consumo no Brasil é definitiva.
Não haveria Skank sem a lata -o
que é, na realidade, apenas um
péssimo trocadilho.
A carreira dos Paralamas explodiu em 83, quando "Vital e Sua
Moto" chegou à rádio Fluminense
(hoje uma pequena lenda da geração 80 carioca) e aos ouvidos e bocas da meninada.
A banda, com um nome que soava engraçado, dava seus primeiros
passos tocando à Police, passeando pelo ska e mostrando qualidade
e simplicidade nas letras e canções.
Nesse início adolescente, registrado em "Cinema Mudo", o bom
humor é a prova dos nove. De
"Vital" a "Foi o Mordomo", as letras sempre se resolvem com um
afiado senso de humor de juventude de classe média.
É o caso da relação com a polícia,
por exemplo, mais tarde tratada
duramente em "Selvagem", que
surge em "Patrulha Noturna" na
prosaica figura do "seu guarda":
"Qual é seu guarda/ que papo careta /só tou tirando chinfra com a
minha lambreta".
O humor é uma atitude típica do
universo do rock, tanto quanto a
aspereza -e as duas logo passam a
conviver no trabalho do Paralamas. Depois do consagrado "Passo do Lui" e de uma memorável
exibição no Rock in Rio, "Selvagem" é um disco que anuncia
preocupações com temas sociais e
políticos -em sintonia, diga-se,
com outros grupos em cena.
O Paralamas, contudo, sempre
distinguiu-se no cenário. Foi uma
banda que, desde o início, fez da
canção (e também da performance) sua marca registrada -o que é
patente na impressionante quantidade de hits que surgem da audição dos CDs.
Foi também uma banda sempre
predisposta às fusões rítmicas,
sem a atitude juvenil de contrapor-se ao universo da MPB, e com
a coragem de refazer as pontes que
ligam a música brasileira ao Caribe
e à América Latina.
Desenvolveu com isso um estilo
próprio, que se tornou sinônimo
de um produto pop não apenas
brasileiro, mas latino-americano
-que conquistou os mercados da
região e chegou à Europa.
Correu o risco de reproduzir
uma certa pasteurização latina,
perdeu público no Brasil, mas acabou retornando triunfalmente ao
lugar que sempre ocupou.
A caixa do Paralamas é mais uma
que vem restituir em bloco acervos
da história recente da música brasileira. No caso, é muito bem-vinda. Não duvide: a lata é da lata.
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