São Paulo, sexta, 29 de agosto de 1997.



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A lata é da lata

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Há dez anos, a mocidade alegre das cidades litorâneas do sudeste comemorou um verão que, como diz a canção de Gilberto Gil, foi mesmo o apogeu da primavera. Naquele final de 1987, latas carregadas de canabis sativa vieram dar nas praias do Brasil.
A novidade transformou-se em mania, e a expressão "da lata", que especificava a procedência do produto, de excelentes características segundo os experts e usuários, incorporou-se ao vocabulário geracional. Virou gíria para designar coisas de boa qualidade.
Uma década, portanto, depois desse que foi o verão inesquecível dos anos 80, uma nova lata chega ao país, trazendo em seu interior parte da história musical e sentimental daquela geração.
O conteúdo dessa lata, que reúne a carreira dos então Paralamas do Sucesso, hoje simplesmente Paralamas, é também poderoso e capaz de deixar o pensamento à deriva, mergulhando num passado recente, mas já suficientemente distante para ser evocado e revisto.
A contribuição do trio formado por Herbert, Bi e Barone para a evolução da música moderna de consumo no Brasil é definitiva. Não haveria Skank sem a lata -o que é, na realidade, apenas um péssimo trocadilho.
A carreira dos Paralamas explodiu em 83, quando "Vital e Sua Moto" chegou à rádio Fluminense (hoje uma pequena lenda da geração 80 carioca) e aos ouvidos e bocas da meninada.
A banda, com um nome que soava engraçado, dava seus primeiros passos tocando à Police, passeando pelo ska e mostrando qualidade e simplicidade nas letras e canções.
Nesse início adolescente, registrado em "Cinema Mudo", o bom humor é a prova dos nove. De "Vital" a "Foi o Mordomo", as letras sempre se resolvem com um afiado senso de humor de juventude de classe média.
É o caso da relação com a polícia, por exemplo, mais tarde tratada duramente em "Selvagem", que surge em "Patrulha Noturna" na prosaica figura do "seu guarda": "Qual é seu guarda/ que papo careta /só tou tirando chinfra com a minha lambreta".
O humor é uma atitude típica do universo do rock, tanto quanto a aspereza -e as duas logo passam a conviver no trabalho do Paralamas. Depois do consagrado "Passo do Lui" e de uma memorável exibição no Rock in Rio, "Selvagem" é um disco que anuncia preocupações com temas sociais e políticos -em sintonia, diga-se, com outros grupos em cena.
O Paralamas, contudo, sempre distinguiu-se no cenário. Foi uma banda que, desde o início, fez da canção (e também da performance) sua marca registrada -o que é patente na impressionante quantidade de hits que surgem da audição dos CDs.
Foi também uma banda sempre predisposta às fusões rítmicas, sem a atitude juvenil de contrapor-se ao universo da MPB, e com a coragem de refazer as pontes que ligam a música brasileira ao Caribe e à América Latina.
Desenvolveu com isso um estilo próprio, que se tornou sinônimo de um produto pop não apenas brasileiro, mas latino-americano -que conquistou os mercados da região e chegou à Europa.
Correu o risco de reproduzir uma certa pasteurização latina, perdeu público no Brasil, mas acabou retornando triunfalmente ao lugar que sempre ocupou.
A caixa do Paralamas é mais uma que vem restituir em bloco acervos da história recente da música brasileira. No caso, é muito bem-vinda. Não duvide: a lata é da lata.



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