São Paulo, sábado, 29 de agosto de 1998

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Sai último inédito de Hemingway

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

O último livro inédito de Ernest Hemingway será lançado no ano que vem, no que já é definido como um dos mais badalados eventos literários do final do século.
Trata-se de romance semi-autobiográfico, produzido a partir das experiências do segundo safári africano da vida do autor, em 1953 e começo de 1954, no Quênia.
Hemingway trabalhou no texto durante dois anos. A partir de 56, outros projetos e problemas pessoais (a saída de sua casa em Cuba após a revolução castrista e a depressão que o levou ao suicídio em 61) o forçaram a abandonar o romance, ainda inacabado.
O manuscrito, que havia ficado para trás em Cuba, foi recuperado, junto com outros objetos, pela viúva Mary, graças a uma ação conjunta dos presidentes John Kennedy e Fidel Castro. Em 63, Mary doou todos os documentos do marido à Biblioteca Kennedy.
Lá, o romance africano ficou mais ou menos esquecido nesses 35 anos. Em 71, a revista "Sports Illustrated" publicou alguns trechos, incluídos numa antologia de Hemingway editada em 74.
Agora, o segundo filho do escritor, Patrick, resolveu publicar uma versão que ele mesmo fez dos originais do pai. Patrick Hemingway, 70, um historiador da arte, cortou o texto pela metade e vai colocá-lo no mercado em tempo para as comemorações do centenário do nascimento de seu pai, no dia 21 de julho de 1999.
"True at First Light" provavelmente chamará mais a atenção do público pelas sugestões que faz de detalhes da vida pessoal do autor do que por seus méritos literários.
Foi quase sempre assim com Hemingway: o homem era maior do que a obra. Sua fama, extraordinária mesmo entre os grandes gênios da literatura, se devia mais à persona carismática do que ao valor dos livros que produziu.
Hemingway teve enorme influência sobre o jornalismo e a literatura neste século. Mas sua importância foi quase apenas estilística, devida a seu texto limpo, econômico. O conteúdo dos livros de Hemingway quase sempre é ralo, limitado. Os temas se repetem: guerra, violência, aventura, o corpo como fonte de dor e prazer.
"True at First Light" parece ser exatamente isso: um narrador relatando as suas peripécias na África. Um dos pontos centrais da trama é a bigamia do narrador nesse período. Alguns biógrafos acham que o incidente ocorreu de fato na vida de Hemingway.
No livro, o narrador, como Hemingway, viaja com sua mulher (Mary, a quarta) e se casa com uma nativa. Há indícios de que, de fato, quando Mary Hemingway se ausentou do safári para fazer compras em Nairobi, o escritor consumou o ritual de casamento com uma moça de 18 anos da nação Wakamba e chegou a dizer a amigos que iria ter um filho africano.
Mas alguns biógrafos dizem que essa história era apenas uma das muitas bravatas com que Hemingway mantinha vivas as lendas que circulavam a seu respeito.
Não há dúvidas, entretanto, de que o safári foi cheio de emoções para o casal. Ernest e Mary chegaram ao Quênia no meio da insurreição da nação Kikuyu contra o governo central.
Em janeiro de 1954, o casal sofreu um acidente aéreo, foi resgatado por um barco no rio Nilo e, quando decolava para Uganda, o avião em que estava se incendiou. Aventuras suficientes para nenhum fã de Hemingway reclamar.



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