São Paulo, sábado, 29 de agosto de 1998

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SEMANA DE MODA/BALANÇO

Jovens estilistas injetam energia no mercado

ERIKA PALOMINO
Colunista da Folha

A nova cara da moda brasileira aparece na Semana de Moda, evento que durante três dias (de terça a quinta desta semana) apresentou em São Paulo as coleções de verão de novos estilistas, mais amostras de cinco alunas de faculdades de moda da cidade (leia abaixo) e a participação dos calçados de Fernando Pires.
O balanço final é um sopro de vigor, energia e jovialidade no mercado, vindo de criadores com diferentes propostas. A grande sensação foi o jovem Icarius, que já vinha despontando em seus desfiles dentro da faculdade Santa Marcelina e já está presente no casting da Claudeteedeca, chique multimarca paulistana.
Para este verão, Icarius faz uma crítica à indústria da beleza. Suas armas são um make de beleza, puxado por fitas adesivas transparentes (a técnica se chama "taping") ou com a boca separada por aparelhos de acrílico. O efeito é assustador: Icarius choca e provoca a reflexão, sem pieguice ou gratuidade.
O conceito do novo corpo aparece, em inteligentes drapeados, transparências e casulos, mas sempre com um tratamento de roupa de festa (nos vestidos) ou de urbanidade (nas camisas, minissaias ou shorts).
São também impressionantes as estampas sobre as sofridas fotos das próprias modelos (feitas por Debby Gram), junto aos vestidos cor de sangue que revela o seio da modelo Fabiana Duarte. O melhor: sem toda essa cenografia, é possível imaginar facilmente as roupas fora da passarela.
Coisa que não vem com tanta facilidade em outro desfile que se destacou na Semana de Moda, a Cavalera, de André Lima.
Famosa por seu streetwear e pelas roupas destinadas ao skate e ao rock, isso agora parece passado. O fashion é a meta, numa atitude moderna, livre e desencanada.
André Lima não demonstra preocupação de agradar. Assim, pode envolver seus adolescentes num delicioso e criativo trabalho de produção de moda, evocando personagens de uma festa infantil -uma boa bagunça.
Peças como o kilt longo masculino, o legging de lingerie pink, os jaquetões, as calças tipo social ou oversized, as engraçadas t-shirts encheram os olhos do público de moda. Resta saber para quem a marca vai vender.
Problema que a Slam não tem. A marca do talentoso Giuliano Menegazzo encerrou o evento anteontem com seu público inteirinho na platéia -o que já comprova andar pelo caminho certo.
Impossível não se contagiar com seu streetwear sem pretensões e para lá de correto, que seria sucesso também em qualquer grande centro fashion do mundo. O jeans entra em abordagem perfeita, em versões black, índigo escuro, justo, oversized e, a melhor idéia de todas, com cantoneiras em dourado que viram a corrente (também dourada) de segurar a carteira -hype certo da rua.
Mais boas idéias: bermudas, leggings femininos por baixo de saias de náilon, cartela de cores acesa e usável; a calça branca repuxada atrás; os esportivos. Giuliano é um talento em estado bruto que se lapida a cada estação. A prova disso é o look étnico/raver/religioso que encerra o desfile.
Mario Queiroz afina suas formas e faz coleção mais acertada que a anterior. A roupa tem aspirações comerciais, sim; mas, se não há muito brilho, também não há pecadilhos de moda.
Além de um masculino correto e contemporâneo, Queiroz marca pontos também no feminino, em adequados looks gender-bender, como a camisa branca social usada com calça seca (na modelo Carolina Fagundes). No masculino, a pantalona azul também com camisa é outro exemplo dessa simplicidade urbana e confortável.
Três mineiros participaram do evento. Ronaldo Fraga, o mais maduro deles, avança em termos de estilo, libertando-se da crítica fácil e investindo mais nas formas, usando o tema dos ex-votos. Fraga agrada mais nos japonismos iniciais, plissados e amarrotados em cru, bem como nas saias de textura de borracha.
Estreante no evento, Jotta Syballena mostra uma roupa bem-costurada, com brincadeiras com geometrias; acabou por se beneficiar de estar no dia mais fraco (o segundo). De toda forma, mostra-se um estilista afeito a seu universo peculiar e coerente.
Por fim, Martielo Toledo também demonstra amadurecimento. Está mais limpo e conciso, com bons momentos na estamparia em algodão, nos vestidos-camisa e nas calças de couro. Precisa ainda esclarecer os motivos de algumas formas, às vezes sem justificativa.
Mesmo mais clean, Lorenzo Merlino volta um pouco mais duro, com áridas geometrias em meros exercícios formais. O trabalho do cós das saias, por exemplo, torna a roupa impossível de usar (sentar, andar etc.)
Carla Fincato também fez um desfile de inspiração Havaí e edição confusa, prejudicada pelo make. Fora da passarela, entretanto, teremos ótimas regatas para o verão, em estilo das roupas dos surfistas, em estamparias floral e optical, bem como descoladas microssaias.
Caio Gobbi é outro que se aprimora, dessa vez em direção à sua paixão pelos anos 80. Uma atitude fashion e bem-humorada produz boas saias em jeans com strass e peças tipo aeróbica, em poderosas peruas (seus homens são mais comerciais). O desfile é simpático, sobretudo a primeira metade; nem precisava da linha praia -que não deu muito certo.
A Mulher do Padre, estreante no evento, tem como mérito já ter conquistado seu lugar no mercado (é hit absoluto de Mercado Mundo Mix e na galeria Ouro Fino), mas seu universo fashion ainda está um pouco confuso. As melhores idéias (ainda que isoladas) são a calça com trabalho nas barras, a malha masculina com detalhes em em dégradé azul e a saia-calça em madras.



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