São Paulo, sábado, 29 de agosto de 1998

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CINEMA
Dramaturgo e roteirista americano escreveu clássicos como "O Homem Que se Vendeu' e "Contrastes Humanos'
Centenário de Sturges vê falência da comédia

AMIR LABAKI
de Nova York

Preston Sturges (1898-1959) se divertiria com o contraste entre as celebrações de seu centenário de nascimento, amanhã, e a inequívoca decadência da comédia cinematográfica americana.
Nada mais distante do humor rasteiro e escatológico de sucessos recentes como "There's Something about Mary" do que a sofisticação e ironia de clássicos quase esquecidos como "O Homem Que se Vendeu" (1940) e "Contrastes Humanos" (1942).
Nascido em Chicago sob o nome de Edmund Preston Biden, Sturges protagonizaria uma saga similar à de seus personagens. Criado entre Chicago e Paris por sua mãe coquete e um padrasto, Sturges desde cedo temperou seu olhar sobre o "sonho americano" com a "joie de vivre" da aristocracia cultural européia. Sua mãe e Isadora Duncan eram inseparáveis.
O jovem Sturges tentou ganhar a vida como inventor. Não foi muito longe, tendo por maior criação um batom que não saía com beijos. Uma providencial apendicite, em 1927, prendeu-o à cama. Aproveitou o tempo para escrever.
"Speaking of Operations" (Falando de Operações), sua primeira peça, jamais chegou ao palco, graças à autocrítica do autor: "Não demorei a perceber que havia sido concebida e executada sob uma nuvem de anestesia".
As coisas seriam diferentes com os textos seguintes. Sua terceira comédia, "Strictly Dishonorable" (1929), alcançou sucesso na Broadway e pavimentou-lhe o caminho para Hollywood. Sturges começou redigindo diálogos, mas logo conseguiria ver filmados seus roteiros completos.
"The Power and the Glory" (1933) estabeleceu o padrão. Uma intrincada estrutura em flash-backs apresenta em tom cômico a ascensão e a queda de um magnata de ferrovias. Nascia o "Frank Capra sem luvas", na definição de Raymond Durgnat.
Os filmes de Sturges, que não demoraria a também dirigir, são fábulas irônicas sobre a obsessão pelo sucesso. Têm a dimensão social de "A Mulher Faz o Homem" (1939) ou "Adorável Vagabundo" (1941), mas não seu otimismo. Todos são, também, como assinalou André Bazin, "a exploração de um mal-entendido".
Sturges concentrou-se sempre em poucos personagens, que formam um microcosmo americano. Uma situação básica serve de combustível para o filme. Sua arte é a da criação de enredos com uma confusão básica por meio de alguns dos mais primorosos diálogos já escritos para as telas.
Seu período áureo se deu curiosamente em plena guerra. Entre 1940 e 1944, Sturges emplacou sete obras-primas em sequência -nenhuma delas exatamente exaltatória do heroísmo ianque. Abre o lote "O Homem Que se Vendeu", em que um espertalhão alia-se a um gângster para ascender politicamente -e despenca quando decide agir com honestidade.
Encerra-o "Herói de Mentira", na qual um grupo de militares monta uma farsa para que um pobre coitado dispensado do Exército volte para casa sem desonrar a memória heróica do pai.
Entre um e outro, um monumento chamado "Contrastes Humanos" ("Sullivan's Travels", 1942). Um cineasta de sucesso (Joel McCrea) decide abandonar as comédias e dedicar-se à grande arte do drama social.
Disfarça-se de vagabundo para conhecer pessoalmente o cotidiano dos miseráveis. A pesquisa assume ares trágicos ao ser preso e condenado a trabalhos forçados, descobrindo então a nobreza maior do humor. Era o testamento precoce de Sturges.

O ESTILO

REGRAS
"As regras de ouro de uma comédia de sucesso:
- Uma garota bonita é melhor do que uma comum.
- Uma perna é melhor do que um braço.
- Um quarto é melhor do que uma sala.
- Uma chegada é melhor do que uma partida.
- Um nascimento é melhor do que uma morte.
- Uma perseguição é melhor do que uma conversa.
- Um cão é melhor do que uma paisagem.
- Um gatinho é melhor do que um cão.
- Um bebê é melhor do que um gatinho.
- Um beijo é melhor do que um bebê.
- Um tombo é melhor do que tudo."

DIÁLOGOS
"Esta é uma das tragédias da vida: os homens que merecem apanhar são sempre enormes" (trecho de diálogo em "Mulher de Verdade").

"O cavalheirismo não está morto, está em decomposição" (idem).

"Nada é eterno neste mundo, querida, exceto (o presidente) Roosevelt" (idem).

"Há muito a ser dito sobre fazer as pessoas rir. Você sabe que isso é tudo que algumas pessoas têm?" (em "Contrastes Humanos").

A OBRA

1940 - "O Homem Que se Vendeu" ("The Great McGinty")

"Natal em Julho" ("Christmas in July")

1941 - "As Três Noites de Eva" ("Lady Eve")

1942 - "Contrastes Humanos" ("Sullivan's Travels")

"Mulher de Verdade" ("The Palm Beach Story")

1944 - "Papai por Acaso" ("The Miracle of Morgan's Creek")

"Herói de Mentira" ("Hail the Conquering Hero")

"Triunfo sobre a Dor" ("The Great Moment")

1946 - "Trapalhadas de Haroldo" ("Mad Wednesday")

1948 - "Infielmente Sua" ("Unfaithfully Yours")

1949 - "Esta Loura É um Demônio" ("The Beautiful Blonde from Bashful Bend")

1955 - "Les Carnets du Major Thompson" ("As Memórias do Major Thompson")



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