São Paulo, Quarta-feira, 29 de Setembro de 1999
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MARCELO COELHO

Votarão em Ciro os que não acreditam nele

Não acho nem desacho muita coisa de Ciro Gomes. Ele disse muita coisa importante em sua entrevista à Folha, segunda-feira passada. Meu espanto é com a revista "Veja" desta semana. Não resisto a alguns comentários.
De um lado, "Veja" acerta jornalisticamente. Ciro Gomes começa a ser um fato. O típico motorista de táxi que sempre votou em Maluf começa a me surpreender: já ouvi, sentado nessa cadeira de dentista que é o banco de passageiros, elogios ao ex-ministro da Fazenda. O namoro de Ciro com Patrícia Pillar, por sua vez, melhora as coisas para quem vê a revista "Caras".
Quem sabe se a grande solução para a crise de popularidade de FHC não é ele se apaixonar por alguma atriz da Globo? Fernando Henrique precisa de um entrecho de novela, mais do que gradativas quedas na taxa de juros.
Sejamos um pouco mais circunspectos e passemos ao texto de "Veja". A capa da revista mostra um moço sorridente, com cara de dono de restaurante francês. Está à esquerda da página. Do lado direito, há o seguinte texto: "A ESQUERDA LIGHT. Alimentado pela impopularidade de FHC, Ciro Gomes ganha a classe média e assusta o PT".
Duas observações. O termo "alimentado", na frase "alimentado pela impopularidade de FHC", conota, a meu ver, o seguinte: "Ele é de esquerda mas não passa fome. Até, de tão bem-alimentado, segue uma dieta light".
Depois, temos a seguinte preciosidade: "Ciro Gomes ganha a classe média e assusta o PT". Não digo nada em favor do PT ao perguntar, honestamente: será que o PT está assustado com alguma coisa? Talvez com o Ratinho, não sei. Ratinho é o Lula do fascismo brasileiro. Em todo caso, a frase de "Veja" mereceria ser reformulada. O que a revista quis dizer é: "O PT assusta a classe média e Ciro Gomes sai ganhando".
Passemos ao texto das páginas internas. Logo no primeiro parágrafo, há isto: "Ciro é o candidato mais popular entre as pessoas com nível superior de escolaridade e com renda mensal acima de dez salários mínimos". Na suposta neutralidade técnica, a frase é hilariante. "Popular"? Na faixa dos que têm "nível superior de escolaridade"? Até penso se a ironia não é intencional.
Bem, Ciro Gomes subiu nas pesquisas. Mas como e por quê? "Sua popularidade cresce porque ele conseguiu conquistar a simpatia da classe média, que está ressentida com o governo, mas teme o radicalismo do PT."
Seria melhor dizer: "Teme o PT". Pois não consigo ver "radicalismo" nenhum em Lula, José Genoíno, Zé Dirceu ou Marta Suplicy. De qualquer modo, "Veja" garante que não há radicalismo em Ciro Gomes. Até informa que "sua família está na política há 100 anos" no interessante Estado do Ceará. Soma-se uma cacetada em Tasso Jereissati: "Hoje, Ciro ganhou projeção nacional e Tasso ainda é um político regional".
Ora, Tasso não se lançou como candidato. O mais importante, contudo, é eliminar o PT dessa disputa. Lula, convenhamos, já encheu mesmo. É então que "Veja" destaca o pedigree oligárquico de Ciro, e chega a extremos de facilidade "crítica" ao afirmar que a família Gomes é uma "forte oligarquia" no município de Sobral. Eis um exemplo de esquerdismo vocabular -"forte oligarquia"- usado para fins de reconforto mental da "classe média" (eufemismo para "classe alta").
Faltava dar credibilidade a esse frenesi, a esse caso de amor. Surge então uma fotografia assustadora do filósofo Roberto Mangabeira Unger, ex-brizolista que se compraz na figura de "gênio do mal", funciona como lastro e sombra do perfil light do candidato a quem aderiu.
Unger adere, aliás, a tudo que seja desorganizado e populista, pensando que agirá como intelectual disciplinador. É uma vaidade como qualquer outra, a do missionário protestante de sapatos pretos pisando na Amazônia.
Mas o problema brasileiro é mais sério do que a cozinha bem-temperada de "Veja" está disposta a supor. Unger e Ciro propõem a renegociação da dívida interna.
"Não vai haver calote", diz Ciro Gomes, mas esta declaração já o situa na defensiva. Eu precisaria ser muito patriótico para não começar a investir em dólar a cada "pulo", como exagera "Veja", de Ciro nas pesquisas.
Acho certo, pelo que sei, esse calote. Mas -aqui o problema- não há congruência entre as normas democráticas e as injunções da economia. Apresentar uma idéia "para debate" é muito democrático, mas o mercado funciona totalitariamente.
Como ficamos? Ciro Gomes será menos "radical" do que Lula? Sim, porque pela cor da pele pode tornar aceitável o que, em Lula, sofreria as reações do preconceito da "classe média". No fundo, votarão em Ciro os que não acreditam no que ele diz.
E não votarão em Ciro Gomes os que, sendo de esquerda, vêem nele um aventureiro, um substituto de Collor. A comparação é injusta, mas significa: desenraizado de qualquer movimento social, exceto os registrados por "Veja" e "Caras".


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