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MARCELO COELHO
Votarão em Ciro os que não acreditam nele
Não acho nem desacho muita
coisa de Ciro Gomes. Ele disse
muita coisa importante em sua
entrevista à Folha, segunda-feira
passada. Meu espanto é com a revista "Veja" desta semana. Não
resisto a alguns comentários.
De um lado, "Veja" acerta jornalisticamente. Ciro Gomes começa a ser um fato. O típico motorista de táxi que sempre votou em
Maluf começa a me surpreender:
já ouvi, sentado nessa cadeira de
dentista que é o banco de passageiros, elogios ao ex-ministro da
Fazenda. O namoro de Ciro com
Patrícia Pillar, por sua vez, melhora as coisas para quem vê a revista "Caras".
Quem sabe se a grande solução
para a crise de popularidade de
FHC não é ele se apaixonar por
alguma atriz da Globo? Fernando
Henrique precisa de um entrecho
de novela, mais do que gradativas
quedas na taxa de juros.
Sejamos um pouco mais circunspectos e passemos ao texto de
"Veja". A capa da revista mostra
um moço sorridente, com cara de
dono de restaurante francês. Está
à esquerda da página. Do lado direito, há o seguinte texto: "A ESQUERDA LIGHT. Alimentado
pela impopularidade de FHC, Ciro Gomes ganha a classe média e
assusta o PT".
Duas observações. O termo "alimentado", na frase "alimentado
pela impopularidade de FHC",
conota, a meu ver, o seguinte: "Ele
é de esquerda mas não passa fome. Até, de tão bem-alimentado,
segue uma dieta light".
Depois, temos a seguinte preciosidade: "Ciro Gomes ganha a classe média e assusta o PT". Não digo nada em favor do PT ao perguntar, honestamente: será que o
PT está assustado com alguma
coisa? Talvez com o Ratinho, não
sei. Ratinho é o Lula do fascismo
brasileiro. Em todo caso, a frase
de "Veja" mereceria ser reformulada. O que a revista quis dizer é:
"O PT assusta a classe média e Ciro Gomes sai ganhando".
Passemos ao texto das páginas
internas. Logo no primeiro parágrafo, há isto: "Ciro é o candidato
mais popular entre as pessoas
com nível superior de escolaridade e com renda mensal acima de
dez salários mínimos". Na suposta neutralidade técnica, a frase é
hilariante. "Popular"? Na faixa
dos que têm "nível superior de escolaridade"? Até penso se a ironia
não é intencional.
Bem, Ciro Gomes subiu nas pesquisas. Mas como e por quê? "Sua
popularidade cresce porque ele
conseguiu conquistar a simpatia
da classe média, que está ressentida com o governo, mas teme o radicalismo do PT."
Seria melhor dizer: "Teme o
PT". Pois não consigo ver "radicalismo" nenhum em Lula, José Genoíno, Zé Dirceu ou Marta Suplicy. De qualquer modo, "Veja"
garante que não há radicalismo
em Ciro Gomes. Até informa que
"sua família está na política há
100 anos" no interessante Estado
do Ceará. Soma-se uma cacetada
em Tasso Jereissati: "Hoje, Ciro
ganhou projeção nacional e Tasso
ainda é um político regional".
Ora, Tasso não se lançou como
candidato. O mais importante,
contudo, é eliminar o PT dessa
disputa. Lula, convenhamos, já
encheu mesmo. É então que "Veja" destaca o pedigree oligárquico
de Ciro, e chega a extremos de facilidade "crítica" ao afirmar que a
família Gomes é uma "forte oligarquia" no município de Sobral.
Eis um exemplo de esquerdismo
vocabular -"forte oligarquia"-
usado para fins de reconforto
mental da "classe média" (eufemismo para "classe alta").
Faltava dar credibilidade a esse
frenesi, a esse caso de amor. Surge
então uma fotografia assustadora
do filósofo Roberto Mangabeira
Unger, ex-brizolista que se compraz na figura de "gênio do mal",
funciona como lastro e sombra do
perfil light do candidato a quem
aderiu.
Unger adere, aliás, a tudo que
seja desorganizado e populista,
pensando que agirá como intelectual disciplinador. É uma vaidade
como qualquer outra, a do missionário protestante de sapatos
pretos pisando na Amazônia.
Mas o problema brasileiro é
mais sério do que a cozinha bem-temperada de "Veja" está disposta a supor. Unger e Ciro propõem
a renegociação da dívida interna.
"Não vai haver calote", diz Ciro
Gomes, mas esta declaração já o
situa na defensiva. Eu precisaria
ser muito patriótico para não começar a investir em dólar a cada
"pulo", como exagera "Veja", de
Ciro nas pesquisas.
Acho certo, pelo que sei, esse calote. Mas -aqui o problema-
não há congruência entre as normas democráticas e as injunções
da economia. Apresentar uma
idéia "para debate" é muito democrático, mas o mercado funciona totalitariamente.
Como ficamos? Ciro Gomes será
menos "radical" do que Lula?
Sim, porque pela cor da pele pode
tornar aceitável o que, em Lula,
sofreria as reações do preconceito
da "classe média". No fundo, votarão em Ciro os que não acreditam no que ele diz.
E não votarão em Ciro Gomes
os que, sendo de esquerda, vêem
nele um aventureiro, um substituto de Collor. A comparação é injusta, mas significa: desenraizado
de qualquer movimento social,
exceto os registrados por "Veja" e
"Caras".
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