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RESENHA DA SEMANA
A indústria do mesmo
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
"The Corrections" (As
Correções), novo romance do americano Jonathan
Franzen, 42, é um sucesso. Foi
assunto de destaque de várias
publicações de prestígio, incluindo a revista "Time" e nada
menos que três artigos no "The
New York Times".
O livro logo despontou nas listas de best-sellers, onde se manteve heroicamente, mesmo depois dos atentados do World
Trade Center, como representante da ficção literária de qualidade, entre títulos sobre armas
biológicas, terrorismo e o Islã.
"The Corrections" foi anunciado pelos editores como um
feito literário de proporções extraordinárias (e as 568 páginas
estão aí para provar àqueles que
desconfiam dos argumentos
subjetivos), de modo que antes
mesmo de ser publicado já tinha
sido vendido para Hollywood,
assim como os direitos de tradução para diversos países (no
Brasil, deverá sair pela Companhia das Letras), revertendo ao
autor, que havia passado dificuldades para escrevê-lo, mais de
um milhão de dólares na conta.
O livro foi lançado com tanta
fanfarra que entrou até para o
panteão das indicações da apresentadora mais popular da TV
americana, Oprah Winfrey. Algo que os editores teriam sem
dúvida preferido evitar.
Os dois romances anteriores
de Franzen, embora tenham lhe
garantido um lugar entre os escritores da nova geração mais
elogiados pela crítica, não o tornaram conhecido do grande público. Incomodado, o autor publicou, em 1996, um manifesto-desabafo em que se propunha a
escrever um romance que tornasse a alta cultura literária (William Gaddis, Thomas Pynchon,
Don DeLillo etc.) acessível à
massa de leitores atraídos pelo
entretenimento. É esse, sem dúvida, um dos sentidos mais perturbadores do título do livro.
O mercado só tinha a aplaudir
a iniciativa. Tanto que as penúrias que o autor diz ter passado,
dedicando-se única e exclusivamente à realização do seu projeto literário, terminaram servindo para mistificá-lo.
Num perfil publicado no "The
New York Times", por exemplo,
Franzen diz ter escrito "The
Corrections" trancado num pequeno apartamento à prova de
som, com as cortinas fechadas,
os ouvidos tapados e os olhos
vendados: "Você tem que libertar a cabeça de todos os clichês."
Era o que faltava. O marketing
ainda não tinha explorado o mito do "escritor sério".
É injusto, porém, julgar um livro pelo que não é o livro. "The
Corrections" não é um livro
ruim, sobretudo nos trechos cômicos. Mas muito do que ali está
escrito (cerca de 200 páginas poderiam ter sido cortadas, se não
fosse pela presunção materialista de que um grande livro precisa ser fisicamente grande) tinha
como motivo principal adaptar-se ao mercado.
"The Corrections" conta a história de uma família do Meio-Oeste. O pai sofre do mal de Parkinson. A mãe, tendo de cuidar
sozinha do marido, sonha em
reunir a família para um último
Natal. Os dois formam o tradicional casal dos subúrbios americanos, confrontado na velhice
com uma sociedade movida pela especulação financeira e as
drogas da felicidade.
O filho mais velho é um banqueiro deprimido que vive com
a mulher e os filhos pequenos
em Filadélfia. O do meio é um
professor desempregado e roteirista frustrado, em Nova York,
que termina envolvido com um
político corrupto na Lituânia. E
a caçula é "chef" de um restaurante da moda, em Filadélfia,
demitida depois de ter um caso
com a mulher do patrão.
É fácil reconhecer algo de
Pynchon e DeLillo no caos de
uma rede de políticos e bandidos na Lituânia ou na atmosfera
conspiratória que envolve uma
empresa prestes a lançar uma
nova terapia neurológica no
mercado. Ou algo de Rick
Moody no retrato comovente e
cômico da família "disfuncional". E é difícil não pensar em
Philip Roth quando o filho do
meio é demitido da universidade em que leciona, acusado de
molestar uma de suas alunas.
Com "The Corrections", Franzen fez o que havia prometido:
reproduziu o que admirava da
prosa americana numa versão
mais palatável. Juntou William
Gaddis com Dave Eggers. Para
muitos, a impressão provocada
pela repetição esvaziada de toda
potência inovadora pode ser
agradável. Mas "The Corrections" é desses livros que, em vez
de abrir novos caminhos, estreitam as perspectivas existentes
ao tomar os que já conhecemos
e que só seguimos por não apresentarem nenhuma surpresa,
risco ou perigo.
The Corrections
Autor: Jonathan Franzen
Editora: Farrar, Straus and Giroux
Quanto: US$ 26 (568 págs.)
Onde encomendar: www.amazon.com
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