São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2001

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RESENHA DA SEMANA

A indústria do mesmo

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

"The Corrections" (As Correções), novo romance do americano Jonathan Franzen, 42, é um sucesso. Foi assunto de destaque de várias publicações de prestígio, incluindo a revista "Time" e nada menos que três artigos no "The New York Times".
O livro logo despontou nas listas de best-sellers, onde se manteve heroicamente, mesmo depois dos atentados do World Trade Center, como representante da ficção literária de qualidade, entre títulos sobre armas biológicas, terrorismo e o Islã.
"The Corrections" foi anunciado pelos editores como um feito literário de proporções extraordinárias (e as 568 páginas estão aí para provar àqueles que desconfiam dos argumentos subjetivos), de modo que antes mesmo de ser publicado já tinha sido vendido para Hollywood, assim como os direitos de tradução para diversos países (no Brasil, deverá sair pela Companhia das Letras), revertendo ao autor, que havia passado dificuldades para escrevê-lo, mais de um milhão de dólares na conta.
O livro foi lançado com tanta fanfarra que entrou até para o panteão das indicações da apresentadora mais popular da TV americana, Oprah Winfrey. Algo que os editores teriam sem dúvida preferido evitar.
Os dois romances anteriores de Franzen, embora tenham lhe garantido um lugar entre os escritores da nova geração mais elogiados pela crítica, não o tornaram conhecido do grande público. Incomodado, o autor publicou, em 1996, um manifesto-desabafo em que se propunha a escrever um romance que tornasse a alta cultura literária (William Gaddis, Thomas Pynchon, Don DeLillo etc.) acessível à massa de leitores atraídos pelo entretenimento. É esse, sem dúvida, um dos sentidos mais perturbadores do título do livro.
O mercado só tinha a aplaudir a iniciativa. Tanto que as penúrias que o autor diz ter passado, dedicando-se única e exclusivamente à realização do seu projeto literário, terminaram servindo para mistificá-lo.
Num perfil publicado no "The New York Times", por exemplo, Franzen diz ter escrito "The Corrections" trancado num pequeno apartamento à prova de som, com as cortinas fechadas, os ouvidos tapados e os olhos vendados: "Você tem que libertar a cabeça de todos os clichês." Era o que faltava. O marketing ainda não tinha explorado o mito do "escritor sério".
É injusto, porém, julgar um livro pelo que não é o livro. "The Corrections" não é um livro ruim, sobretudo nos trechos cômicos. Mas muito do que ali está escrito (cerca de 200 páginas poderiam ter sido cortadas, se não fosse pela presunção materialista de que um grande livro precisa ser fisicamente grande) tinha como motivo principal adaptar-se ao mercado.
"The Corrections" conta a história de uma família do Meio-Oeste. O pai sofre do mal de Parkinson. A mãe, tendo de cuidar sozinha do marido, sonha em reunir a família para um último Natal. Os dois formam o tradicional casal dos subúrbios americanos, confrontado na velhice com uma sociedade movida pela especulação financeira e as drogas da felicidade.
O filho mais velho é um banqueiro deprimido que vive com a mulher e os filhos pequenos em Filadélfia. O do meio é um professor desempregado e roteirista frustrado, em Nova York, que termina envolvido com um político corrupto na Lituânia. E a caçula é "chef" de um restaurante da moda, em Filadélfia, demitida depois de ter um caso com a mulher do patrão.
É fácil reconhecer algo de Pynchon e DeLillo no caos de uma rede de políticos e bandidos na Lituânia ou na atmosfera conspiratória que envolve uma empresa prestes a lançar uma nova terapia neurológica no mercado. Ou algo de Rick Moody no retrato comovente e cômico da família "disfuncional". E é difícil não pensar em Philip Roth quando o filho do meio é demitido da universidade em que leciona, acusado de molestar uma de suas alunas.
Com "The Corrections", Franzen fez o que havia prometido: reproduziu o que admirava da prosa americana numa versão mais palatável. Juntou William Gaddis com Dave Eggers. Para muitos, a impressão provocada pela repetição esvaziada de toda potência inovadora pode ser agradável. Mas "The Corrections" é desses livros que, em vez de abrir novos caminhos, estreitam as perspectivas existentes ao tomar os que já conhecemos e que só seguimos por não apresentarem nenhuma surpresa, risco ou perigo.


The Corrections
   
Autor: Jonathan Franzen
Editora: Farrar, Straus and Giroux
Quanto: US$ 26 (568 págs.)
Onde encomendar: www.amazon.com





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