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São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2003

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FESTIVAL DO RIO

Diretora leva às telas narrativa "cinematográfica, mas infilmável" de "Benjamim", romance do compositor

Gardenberg enfrenta "armadilhas" de Chico

André Gardenberg/Divulgação
Cleo Pires é Ariela em "Benjamim", filme de Monique Gardenberg em cartaz no Festival do Rio


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No banheiro masculino, Benjamim encontra uma bituca de cigarro com marcas de batom. De volta ao salão do restaurante, sonda com o olhar a freguesia e fixa-se nos lábios de uma jovem acompanhada.
Ela é a corretora de imóveis Ariela Masé, ou melhor, a atriz e ativista política Castana Beatriz, o grande amor (desaparecido) da juventude de Benjamim, flagrado aqui na condição de homem maduro, ex-modelo fotográfico, que tenta se adaptar às performances exigidas dos atores de comerciais televisivos.
Descritos na literatura por Chico Buarque, os personagens e situações de "Benjamim" (Companhia das Letras, 95) ganharam forma cinematográfica no segundo longa-metragem da diretora Monique Gardenberg, 45 ("Jenipapo", 96). O filme terá sua primeira exibição no Brasil hoje, no Festival do Rio.
"Fascinada pela idéia de que um acaso pode mudar a história de sua vida" e, mais do que isso, pelo "rasgo de amor" expresso no romance de Chico no mote de que "alguém que a gente amou e ama para a vida toda pode reencarnar", Gardenberg lançou-se à adaptação do livro, mesmo reconhecendo nele algumas "armadilhas" para quem encarasse a tarefa. "Chico escreve cinematograficamente coisas que são infilmáveis. Ele constrói imagens que, de tão lindas, são irreproduzíveis."
Com a primeira versão do roteiro pronta, Gardenberg convidou o cineasta e roteirista Jorge Furtado ("O Homem que Copiava") para dividir esse trabalho. E não dispensou consultas a Chico, "a pessoa mais indicada para manter a coerência dos personagens, já que foi quem os pariu".
A cineasta diz que, "mesmo trabalhando com dois ídolos", foi, aos poucos, "desrespeitando ambos". Criou novas cenas e um modo próprio de fazer a narrativa bascular entre passado e presente; memória e sonho; realidade e invenção -movimentos que pontuam livro e filme.

Tempo passado
Na tela, a mudança das atmosferas é sobretudo distinguível pela fotografia de Marcelo Durst, cujo trabalho "na elaboração do tempo passado de "Ação entre Amigos" de Beto Brant" deixou Gardenberg "impressionada".
Para "Benjamim", a cineasta pediu a Durst uma fotografia em que "o passado fosse colorido, e o presente, triste e frio".
Uma das técnicas usadas foi revelar imagens captadas em positivo como se fossem negativos. "O resultado fica nervoso, vem de forma irada, como se você tivesse desrespeitado aquela química", afirma Gardenberg.
Produtora musical de artistas (Djavan) e eventos (Free Jazz) antes de ser cineasta, Gardenberg usou uma desafiadora trilha que vai de The Platters ("Twilight Time") a Gotan Project revendo Piazzola, passando por interpretações ao vivo de Wando ("Moça") e Zeca Pagodinho ("Deixa a Vida me Levar").
Todo o aparato técnico foi posto a serviço dos atores que deram fisionomia a Benjamim, a Ariela e ao conjunto de personagens que gravitam em torno dos dois. Benjamim ganhou o rosto de Paulo José, 65, que, convidado, achou-se "muito velho para o papel".
"Se você disser "não", vou chamar o Walmor Chagas", respondeu-lhe Gardenberg. E falava sério. "Era realmente minha segunda opção."
A cineasta diz que ter Paulo José no papel-título confere "outra dimensão para o filme", já que o ator é capaz de dar ao personagem "uma fragilidade fundamental, de quem está ao mesmo tempo feliz e triste e nunca no lugar em que vive, porque sempre se transporta para o mundo das memórias".
Ariela é vivida por Cleo Pires, filha dos atores Glória Pires e Fabio Jr., em seu primeiro trabalho de interpretação. Ao convite da diretora, Cleo devolveu um aviso: "Nunca passei em nenhum teste. Nem para comercial".
Para a atriz em quem procurava "uma aparição" não apenas para o eterno apaixonado Benjamim, mas também para o público, a diretora respondeu que não iria testá-la, e sim prepará-la.
Enquanto preparava "Benjamim", Gardenberg foi aconselhada a deixar de lado o projeto de filmar livro tão "difícil" e advertida de que é temerário escalar uma protagonista sem nenhuma experiência anterior em atuação.
Felizmente, ela não dá ouvidos a tudo o que lhe dizem.


Veja a programação dos filmes em www.folha.com.br/especial/2003/festivaldoriobr


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