|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nova "Clara Crocodilo" é explícita
da Reportagem Local
Marco da esquisitice na música
(popular?) brasileira, "Clara Crocodilo" está de volta para remarcar a esquisitice da esquisitice. Parece caso único, e o autor, Arrigo
Barnabé, poderia sem custo ser
acusado de querer retocar o que já
pertencia à história, adulterá-la
-não são poucos os que tentam
fazê-lo, por métodos mais sutis.
A nova "Clara Crocodilo" é explícita. Aperfeiçoa sua matriz, banhando-se de apuro técnico artístico, do auxílio de instrumentistas, arranjadores e vocalistas de
primeira, da rigorosa avacalhação
a que Arrigo submete seus vocais
bêbados de não-cantor.
Mas tenta retificar o que não era
retificável? Difícil dizer, mas parece que não. A nova "Clara" é, antes de qualquer coisa, testemunho
despido de um caso clínico.
Em seu primeiro trabalho, Arrigo produziu um dos instantes
mais peculiares da história musical nacional, mas então se viu encurralado pela fronteira em que se
movia -erudito versus popular-, pelo excesso de peculiaridade do que inventou, talvez pela
inibição que a grandiosidade da
criatura que inventara provocou
nele próprio, dr. Frankenstein.
Daí surge o obcecado. Sua carreira vai sendo marcada por tentativas de fuga que não o satisfazem e, mais frequentemente, pela
fixação no monstro-crocodilo
que é, afinal, o próprio autor.
O ente Clara Crocodilo demarcou, no pop, a falência das narrativas -é um monumento de descontinuidade, um espelho do estilhaçamento urbano (e nunca ode
à urbanidade). Garatuja atocaiada dentro da mente do criador,
está à espreita para destruí-lo.
Por isso ele a segue, a remodela,
brinca com ela, cutuca, provoca.
Ela pode mordê-lo a qualquer instante, acabar com a história de
uma vez por todas. Voltar a ela
sempre é, para ele, impedi-la de
devorá-lo. Briga sanguinária.
Daí vem a pequena mácula. A
narração que antecede o desfecho
do disco foi suprimida em favor
de outra, menos cortante. Já não
se fala na data-símbolo de 31 de
dezembro de 1999, em Clara descrita como fruto da imaginação
do ouvinte, no monstro à espreita
na próxima esquina.
Adotando o presente, a data comum em que ocorreu a gravação,
parece querer negar o caráter datado de sua obra -no original,
resplandecia a noção do disco
obscuro perdido num sebo (é afinal o que a "Clara" de 80 é hoje) libertando o monstro dormente.
Tal impressão se dissolve em
outros cantos, como na comparação entre as duas capas. Pop,
meio HQ, o original sangrava, era
verde e vermelho, denotava vida
de esgoto. Recriado, se desumanizou, ressecou. A bocarra do crocodilo se faz de dois muros vincados por cacos cortantes, o olho do
bicho também é de vidro. É a metáfora da música religiosa de cartolina que a TV vende em 1999.
Configura-se nisso, de novo, a
metáfora do artista aprisionado
por sua obra. Mas o momento,
para Arrigo Barnabé, é especial.
Ele soltou o monstro da jaula. Está sondando seus infernos muito
mais do que querendo se corrigir.
São os vidros agudos do muro da
carceragem. Ou o pulo para um
novo mundo, lá fora.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Clara Crocodilo
Artista: Arrigo Barnabé
Lançamento: Thanx God Records
Quanto: R$ 20, em média
Texto Anterior: Clara Crocodilo voltou Próximo Texto: Cinema - Estréias: "Clube da Luta" bate forte e acerta na alma Índice
|