São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Desconstrução de filmes de amor sobrevive ao peso da caricatura

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Comecemos pelo fim: essas estrelinhas aí embaixo são um tormento para o crítico que deseja discutir um filme em vez de emitir um julgamento peremptório. Saber que tudo vai desembocar no veredicto estelar faz com que o crítico organize todo o seu discurso de modo a justificar a sentença.
O leitor ganhará mais, portanto, se esquecer as estrelas e tiver consciência de que as considerações a seguir são parciais e provisórias, como todo juízo humano.
"Como Fazer um Filme de Amor", longa de estréia de José Roberto Torero, apresenta-se como uma comédia romântica que desconstrói o cinema romântico.
A idéia é engenhosa, ainda que não totalmente original (os filmes do trio Zucker-Adams-Zucker, do tipo "Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu", fazem o mesmo com vários gêneros). Trata-se, aqui, de narrar uma história de amor denunciando, a cada passo, os clichês do filme de amor.
Um narrador (Paulo José), em "voice over", explica didaticamente ao espectador como se realiza uma fita do gênero, da definição dos personagens à escolha dos cenários e da trilha musical.
O casal em questão é formado, de modo característico, por uma fotógrafa pobretona, Laura (Denise Fraga), e um rico empresário da área de publicidade, Alan (Cassio Gabus Mendes).
Os vilões que tentam frustrar o romance são a ardilosa Lilith (Marisa Orth), apaixonada por Alan, e seu servo fiel Adolf (André Abujamra).
O primeiro problema do filme é o descompasso entre esses dois pares de personagens. Enquanto o casal romântico central comporta uma certa ambigüidade, dando ensejo a uma ironia metalingüística quase adulta, a dupla de vilões parece saída de um filme da Xuxa ou dos Trapalhões, de tão chapada, unidimensional e tolamente caricata.
O que compensa o humor pastelão quase ultrajante desse "eixo do mal" são alguns achados cômicos, como os diálogos entre o protagonista Alan e o narrador onisciente que paira sobre a ação como um deus invisível.
As passagens mais divertidas são aquelas em que o filme parece estar se construindo, ainda em rascunho, e o narrador intervém para colocá-lo nos trilhos do gênero. O amanhecer depois da primeira noite de amor, numa ilha deserta, começa com os amantes falando palavrões e acusando-se mutuamente de mau hálito, antes da devida correção de rota.
À parte isso, há o ótimo desempenho de Gabus Mendes, que parece ter compreendido à perfeição seu papel de metagalã.
Uma bela seqüência isolada mostra o que o filme poderia ser se não sucumbisse, por sua vez, aos clichês do humor fácil: a serenata que Alan faz sob a janela de Laura, cantando "Eu Sei que Vou te Amar" num caminhão de pamonha, com a ajuda de um coro de vizinhos.
Nesse momento, amor rima com humor, construindo um lirismo autenticamente urbano e popular. Vale o ingresso.


Como Fazer um Filme de Amor
  
Direção: José Roberto Torero
Produção: Brasil, 2004
Com: Denise Fraga, Cassio Gabus Mendes
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Cinearte, HSBC Belas Artes, Iguatemi e circuito



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