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29ª MOSTRA DE CINEMA
"2046" retoma personagens de longas anteriores do diretor de "Amores Expressos" e transmite sensação de déjà vu
Kar-wai explora rejeição de um amante
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
O déjà vu incomoda porque
embaralha realidade e imaginação. Já passamos por aquilo
ou tudo não passa de truque da
mente? Ainda que não seja a questão principal de "2046", a sensação norteia este novo filme de
Wong Kar-wai.
Claro, não poderia ser diferente,
já que se trata da continuação de
"Amor à Flor da Pele", ao acompanhar o sr. Chow (Tony Leung)
após sua decepção amorosa com
a vizinha. Um certo mal-estar
emana deste triste "2046", porque
encontraremos um personagem
mudado. É o mesmo cenário saudosista da Hong Kong dos anos
60, mas aqui não há amor. O negócio é sexo sem delongas.
Se a imagem fixada era a do homem honrado, tímido e rejeitado,
agora Chow ostenta um espírito
safado e quer mais é fazer transitar o maior número de mulheres
em sua cama. "2046" mostra quatro envolvimentos fugazes desse
jornalista free-lancer que escreve
um romance, também "2046". Na
história dentro da história, o número é uma data/lugar/estado de
espírito em que as pessoas vão para recapturar memórias perdidas.
Lá, nada muda. 2046 é ainda o último ano do período estipulado
pela China a Hong Kong em que
tudo na ex-colônia deve permanecer inalterado. É, por fim, o número do quarto de hotel de
"Amor à Flor da Pele" onde Chow
encontrava sua vizinha.
Kar-wai lida, portanto, com a
questão do tempo e da memória.
Não vem ao caso comparações
com Alain Resnais. Mais do que
cinema de autor, o diretor oriental cria filmes para culto. Permite-se, em "2046", o uso de maneirismos, ainda mais gratuitos -planos fragmentados em velocidades
diferentes, música nostálgica etc.
O déjà vu surge ainda porque
Kar-wai lida basicamente com os
mesmos temas e personagens em
sua obra. Uma das mulheres por
quem Chow se interessa é a filha
do dono do hotel, interpretada
pela mesma Faye Wong que, em
"Amores Expressos", atiçava a
curiosidade do policial feito por
Leung. É como se buscasse explicitar a idéia de que temos diferentes encarnações ao longo da vida.
O interesse se mantém pela poesia pueril com que entrelaça seu
balé de desencontros amorosos.
Na trama dentro da trama, temos
andróides com emoções atrasadas. Se algum deles deseja chorar,
a lágrima só cairá no dia seguinte.
"2046" é história sobre fantasmas, a começar por Chow, que
não se livra do fantasma da mulher perfeita. Assim, Kar-wai
transmite a sensação surreal que é
a rejeição de um amante. Esperamos pelas gentilezas e sorrisos do
passado, mas apenas encontramos um ser transformado. O corpo é o mesmo, mas algo ali, na essência, se perdeu. "2046" é como
o ex-amante que retorna, não melhor ou pior, apenas sem o frescor
da novidade e o poder da ilusão.
2046
Direção: Wong Kar-wai
Quando: hoje, às 20h30, na Sala UOL; e
dias 1º, às 21h40, no Cine
MorumbiShopping; e 2, às 14h, no
Espaço Unibanco
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