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"UMA MULHER CONTRA HITLER"
Longa sobre nazismo omite povo alemão
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Devia ser difícil praticar a resistência durante a Segunda
Guerra Mundial, em particular
quando se vivia em 1943 numa
Alemanha que ainda se acreditava invulnerável. A repressão era
da violência de que os nazistas
eram capazes. Mas, sobretudo, o
sentimento de solidão devia ser
muito grande.
Ao menos podemos imaginar
algumas dessas coisas, pois a visão que transmite "Uma Mulher
contra Hitler" é, em certos aspectos, um tanto diferente. Sobretudo quanto a este último tópico: a
crer no filme de Marc Rothemund, o sentimento anti-Hitler
devia ser bem difundido entre os
estudantes de Munique após a
derrota em Stalingrado, pois a
crença de Sophie Scholl, de seu irmão e dos membros do grupo
Rosa Branca era de "incendiar o
campus" com alguns folhetos atacando o führer.
Essa é a primeira surpresa que
nos oferece o filme de Rothemund: a julgar por ele, não existe
população alemã em 1943. Existem, de um lado, os resistentes e,
de outro, os funcionários do regime. A única exceção corre por
conta do bedel da faculdade, o tipo insignificante (fisicamente
também) que entrega os responsáveis pela distribuição de panfletos no campus.
Existem várias hipóteses para
essa omissão. Uma delas é que, ao
fazê-lo, o diretor-produtor reforça a idéia de um povo alemão enganado e alheio ao que se passava.
Uma outra é que, ao centrar a trama no drama pessoal da valente
Sophie Scholl, não vinha muito ao
caso desenvolver esse outro aspecto (o da população).
De todo modo, a opção revela-se uma catástrofe, pois faz do nazismo um regime surgido meio
que do nada, como se o povo alemão lhe fosse inteiramente alheio.
Os maiores danos, no entanto, referem-se ao aspecto cinematográfico. Fechando a história em Sophie Scholl, suas crenças (políticas e religiosas) e sua valentia,
"Uma Mulher contra Hitler" condena-se de cara ao academismo
que o balizará até o final.
Heroína
Os sentimentos nobres, a luta, a
inteligência etc. de Sophie Scholl
podem ser atributos notáveis do
ponto de vista pessoal, mas não
acrescentam nada ao que já conhecemos sobre heróis de guerra:
Sophie, personagem real, é muito
semelhante a qualquer herói de
filme de aventuras, seja ele fictício
ou não. A isso, o filme de Rothemund só tem a acrescentar o quadro particular e, diga-se, quase
desconhecido, da resistência no
interior da Alemanha.
A virtude principal do filme está
na intérprete da protagonista, a
atriz Julia Jentsch. Seus melhores
momentos acontecem quando
contracena com o investigador
Mohr (Alexander Held), único
nazista dotado de alguma ambigüidade e um pouco de riqueza
dramática a entrar em cena.
Faturar
Seu maior problema (do qual
decorrem todos os outros) é participar da "nova ordem cinematográfica mundial": um cinema sem
personalidade, sem pessoalidade,
sem idéias outras que não sejam
"comover e faturar".
Neste caso, temos um longa-metragem de "tema nobre", partícipe da florescente indústria no
antinazismo, que nos últimos
anos mostrou, no cinema, vigor
semelhante ao do crescimento
eleitoral da extrema direita na Europa -e não apenas lá.
É ótimo poder olhar para 1943,
cultivar heróis de caráter como
Sophie Scholl, odiar juízes nazistas, chutar cachorros mortos. Melhor ainda é não esquecer que
2005 está aí -e cheio de problemas. E parece que boa parte do cinema contemporâneo existe apenas para produzir o esquecimento da atualidade e de suas possíveis dores.
Uma Mulher contra Hitler
Direção: Marc Rothemund
Quando: dia 1º, às 18h, no Reserva Cultural
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