|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
29ª MOSTRA DE CINEMA
Cineasta bósnio premiado por "Terra de Ninguém" fala sobre seu novo filme, segunda parte da trilogia inspirada em Dante
"O Inferno está na sua cabeça", diz Tanovic
BEATRIZ PERES
EDITORA DO EQUILÍBRIO
Ligeiramente decepcionada
com a descoberta das verdadeiras
intenções de um estranho que a
rondava havia algum tempo, Céline diz a ele: "Pensei que você estivesse apaixonado por mim". E
encerra o assunto sem que ele
possa argumentar: "Eu vou demais ao cinema".
O pessimismo não se deixa esconder em "O Inferno", novo filme do diretor bósnio Danis Tanovic, 36, exibido nesta 29ª Mostra
de Cinema. É o mesmo que estava
presente em "Terra de Ninguém"
(2000, sucesso internacional, premiado em Cannes, no Globo de
Ouro, no Oscar e na própria Mostra de SP). Mas Tanovic discorda
completamente: "O inferno está
na sua cabeça, e o pessimismo está no seu olhar".
Pode ser. De toda maneira, a diferença entre os filmes está apenas
no registro: a alegoria absurda
que colocava na mesma trincheira dois soldados de lados opostos
foi substituída por um melodrama familiar com referências ao
mito grego de Medéia (que matou
seus próprios filhos para contrariar o marido traidor) e discussões sobre destino e coincidência.
À história: nos anos 80, um homem sai da prisão e é rejeitado
pela mulher. Ela não quer que ele
veja mais as filhas, o casal briga
violentamente, e ele comete suicídio. Na Paris atual, Céline, Sophie
e Anne são as três irmãs que vivem seus próprios infernos.
Céline (Karin Viard), solitária e
desconfiada do mundo, é a única
que visita regularmente a mãe
(Carole Bouquet), muda e presa a
uma cadeira de rodas, num hospital fora da cidade. Sophie (Emmanuelle Béart) tem dois filhos com
o marido (Jacques Gamblin), mas
acredita que esteja sendo traída
por ele. A mais nova, Anne (Marie
Gillain), vive às voltas com o fim
de um caso com um professor casado (Jacques Perrin).
Assinado por Krzysztof Piesiewicz, o roteiro integra um projeto
de trilogia do polonês Krzysztof
Kieslowski (1941-1996) livremente inspirado na obra de Dante Alighieri (1265-1321). A primeira
parte, "Paraíso", do alemão Tom
Tykwer ("Corra, Lola, Corra"), foi
exibida na Mostra de 2002.
Pela primeira vez em São Paulo,
Tanovic falou à Folha em entrevista tensa ("não vou te dar mais
do que meia hora"), regada a café
("vocês têm o melhor do mundo,
mas não para exportação. Guardam apenas para vocês").
Folha - Por que você escolheu "Inferno"?
Danis Tanovic - Da primeira vez
que li o roteiro, cinco anos atrás,
quis fazer "Purgatório", porque
trata da guerra, e eu estava fazendo um filme sobre guerra. No ano
passado, minha agente me ligou
com o roteiro de "O Inferno", de
que eu gostei mais. Simples assim.
Folha - Você pretende fazer a última parte da trilogia também?
Tanovic - Não. Eu normalmente
faço meus próprios filmes, essa foi
a primeira vez em que trabalhei
com o projeto de outra pessoa. Eu
gostei do outro roteiro também,
mas não filmaria. Um dia você
gosta de uma coisa, dois anos depois não gosta mais. É humano.
Folha - Você acha "O Inferno" um
filme pessimista?
Tanovic - Não, é como "Terra de
Ninguém". Para os pessimistas, as
coisas nunca podem ser piores,
para os otimistas, elas podem [risos]. Talvez você seja uma pessoa
pessimista. No fim, a família, que
deveria estar completamente destruída, se reúne, e as irmãs tentam
fazer algo a respeito. Talvez seja
tarde demais. Talvez não.
Folha - Você se preocupou com as
expectativas depois do sucesso de
"Terra de Ninguém"?
Tanovic - Eu não ligo para isso.
Só me preocupo com as expectativas da minha mulher [risos].
Nunca vou repetir o sucesso de
"Terra de Ninguém": antes dele,
eu não era nada; dois dias depois,
eu estava em todos os jornais.
Folha - Você odeia entrevistas?
Tanovic - Mais ou menos. Acho
que não há nada a ser dito sobre
"O Inferno", ele fala por si. Não
consigo dizer por que fiz "O Inferno", por exemplo. Porque era feminino, completamente diferente, falava sobre família...
Folha - Você acredita no Paraíso?
Tanovic - Eu acredito no Inferno e
no Paraíso juntos aqui na Terra.
O Inferno
Direção: Danis Tanovic
Quando: hoje, às 18h30, na Sala UOL; e
dias 31, às 22h, no Frei Caneca Arteplex;
1º, às 22h, no Espaço Unibanco
Texto Anterior: "Tickets": Filme com ritmos desiguais desperdiça talento dos diretores Próximo Texto: Lanterninha Índice
|