São Paulo, quinta, 29 de outubro de 1998

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"Forma rara e desconhecida de amor"

da Reportagem Local

O ensaio já vai pelo meio quando Zé Celso reclama da ausência da trilha sonora. Da cabine, responde Cibele Forjaz, que dirige o som e a luz: "É que a mesa é nova, a gente apertou um botão errado e desgravou o primeiro ato inteiro, mas vai dar tudo certo".
Na cena, abraçadas, a mãe Alzira e as três irmãs (Cacilda, Dirce e Cleyde Yáconis) falam a uma voz, como num presságio: "Vocês vão ver uma forma rara e desconhecida de amor".
Pouco depois, Bete Coelho se desfaz em lágrimas nos ombros de Marcelo Drummond e de Zé Celso. As luzes se apagam: "Eu não aguento mais, está muito difícil".
Giulia Gam desce do segundo andar, se aproxima: "Eu sou o problema", murmura, aludindo a dificuldades, agora aparentemente superadas, para cumprir o cronograma de ensaios. É o sinal para Bete explodir: "O problema não é seu, é meu. Eu também tenho problema. Que coisa! Eu aguentei por dois meses. Deixe agora eu ter os meus problemas. Pare com isso!".
Vira-se para os cabeças do Oficina: "Não posso não acreditar em vocês. As pessoas precisam ter palavra". Volta-se para Giulia: "Você se segura!", e sai pela porta do teatro, rua afora. Todos estão paralisados, no "palco-passarela", nas arquibancadas, nos camarins e cabines. Zé Celso fica ali, olhando para o vazio, ofegante.
Passa um pouco, alguns comentam baixinho, ele começa a chamar os outros. O ensaio é retomado, o diretor querendo fazer como aqueles jogadores de tênis que repetem o golpe até acertar, para espantar da consciência a imagem do fracasso.
Os atores bombeiam energias inexistentes. Faz, pára, corrige, repete. Uma outra atriz marca o papel da heroína: no chicote, o pai de Cacilda impõe à família a mudança de Pirassununga para São Paulo.
Ajoelhadas, mãe Alzira e irmãs rogam praga para o pai, mas é como se as atrizes (Ligia Cortez, Mika Lins e Iara Jamra), o grupo fechado em torno de Cacilda-Bete, amaldiçoassem o diretor: "Tomara que ele morra, tomara que ele morra, tomara que ele morra".
Mesmo ausente, o fantasma de Cacilda-Bete comanda as falas da atriz que a substitui: "Este foi o ano mais importante da minha vida", diz, como se pesasse os seis meses de ensaios extenuantes pelo choque de culturas, de personalidades e os embates com a extrema escassez de recursos.
Uma hora depois, atravessado o vale de lágrimas, o ensaio embala, a cena se divide. O foco sai das irmãs Becker Yáconis. Quando retorna, ouvem-se palmas, alguns choram, outros gritam. É Bete que está de volta a seu papel, no meio da cena, sem avisar. Na sequência das falas do ensaio, vem o hino: "Graças dou, sim, pela vida, pelo bem que revelou. Graças dou pelo futuro e por tudo que passou. Pela benção derramada, pelo amor em comunhão".
O trabalho prossegue. Zé Celso pede mais. (MVS)



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