São Paulo, quinta, 29 de outubro de 1998

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RELÂMPAGOS
Banho na claridade

JOÃO GILBERTO NOLL

À noite ele saia pelas ruas sem algo exato a fazer. Ao acordar, não se lembrava de nada. Precisava de um banho, tirar o cheiro de pele, disfarçar a ausência de sua história mais recente e voltar a ser uma pessoa entre as outras, deixando-se ver na claridade, respondendo, perguntando. "Onde estarei depois de morto?" A pergunta arrebentou no núcleo de sua demência. Comprou seu próprio caixão. Quando abriram o esquife, à beira da cova, não precisou dos olhos para ver a filha grávida, olhando-o pela última vez. A filha distendeu as pálpebras como se tentasse fixar as feições dele para sempre.



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