São Paulo, quinta, 29 de outubro de 1998

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Bosco faz caldo antropofágico

especial para a Folha

Talvez influenciado por imagens mais padronizadas do balé, João Bosco enveredou por harmonias clássicas logo que começou a criar a música de "Benguelê".
"Essa primeira investida bateu na trave. Para meu alívio, eu estava equivocado", diz o compositor, que logo deixou brotar as características mais autênticas de sua música, ao perceber que era exatamente isso o que queriam os irmãos Pederneiras (Paulo e Rodrigo).
"Esse lado mais negro de nossa música é muito ligado ao corpo, que se manifesta naturalmente ao som de ritmos africanos, como se fosse uma extensão da música", diz Bosco.
Já sintonizado com as propostas do grupo Corpo, Bosco não teve dificuldades em resgatar, na trilha de "Benguelê", o ritmo afro que havia explorado mais intensamente em discos como "Gagabirô" e "Cabeça de Nego", além das melodias tribais, o minimalismo e as influências de sua convivência com Clementina de Jesus.
Satisfeito com o resultado, ele afirma que chegou a uma convergência capaz de expressar a amplidão da música brasileira, ao misturar a negritude que se encontra na Bahia, no Rio e também em Minas Gerais.
Mas ao longo de "Benguelê" o caráter primitivo da música negra brasileira vai se soltando, para criar conexões com um universo musical que também ecoa no jazz, na cultura árabe, da qual Bosco é descendente, e mesmo em clássicos como Stravisnky e Debussy.
"É como se essas serpentes musicais, presentes em minha memória, formassem uma caravana polifônica", diz Bosco, que fez de "Benguelê" um caldo antropofágico, em que pitadas de Stravisnky se diluem com delicadeza impressionista.
Essas múltiplas experiências musicais que Bosco estende à trilha de "Benguelê" se evidenciam principalmente no trecho denominado "Travessia", quando os bailarinos empreendem uma caminhada longa e aparentemente interminável.
"Acho que a ousadia de fundir diferentes idéias musicais faz parte da maturidade", observa Bosco, que fez pequenos cortes na trilha original ao adaptá-la à coreografia.
O CD editado para o espetáculo já estará à venda a partir da estréia em São Paulo de "Benguelê", cuja turnê nacional prossegue no Rio de Janeiro, em Brasília, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte.
Já a versão musical completa de "Benguelê" será lançada em novembro, pela Sony Music.
Antigo admirador do Corpo, o compositor reage como um espectador animado. "Será uma beleza assistir no mesmo programa "Parabelo', a coreografia do ano passado que remete ao sertão, e "Benguelê', que exala negritude." (AFP)



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