|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BRASÍLIA
"São Jerônimo" e "Gêmeas" são destaques
Festival revela
caminhos opostos
INÁCIO ARAUJO
enviado especial a Brasília
Uma homenagem a Glauber
Rocha, iniciada no sábado,
marcou o fim-de-semana em
Brasília. Homenagem ambígua, que prevê a exibição da
chamada "Trilogia da Terra"
("Deus e o Diabo", "Terra em
Transe", "A Idade da Terra")
num horário nada nobre: 10h.
Mas o que representa Glauber, efetivamente? O que mais
parece contar é a lembrança de
um tempo glorioso, a evocação
retórica de um gênio maior do
cinema. Quanto à sua herança
estar viva é outra história.
A noite de sexta-feira foi bem
sintomática das dúvidas que
possam existir quanto a isso.
"Gêmeas", de Andrucha Waddington, é um exemplo de como certo cinema mais recente
-o da produtora Conspiração, no caso- segue caminhos
opostos ao dessa tradição.
"Gêmeas" inspira-se em Nelson Rodrigues (emascula é a
palavra certa), na história de
duas irmãs idênticas que trocam de identidade todo o tempo, até que ambas se apaixonam pelo mesmo homem.
Existe ali influência do cinema americano, do videoclipe,
do filme publicitário. De tudo,
enfim, menos do cinema novo
ou de Glauber.
No extremo oposto está "São
Jerônimo", de Júlio Bressane, o
segundo filme da sexta. Para
narrar a vida do santo, Bressane usa como locações o sertão
(transfigurado em deserto) e o
parque Lage (que vira Roma),
duas locações centrais no cinema de Glauber Rocha: o sertão
de "Deus e o Diabo", o parque
Lage de "Terra em Transe".
Enquanto Bressane -não
raro- trabalha com a câmera
na mão, Waddington vai na direção contrária: travellings,
gruas e a luz "recherchée" parecem afirmar o domínio da
técnica e sua necessidade.
A trajetória de são Jerônimo
diz respeito ao absoluto da fé, à
purificação pela solidão, à necessidade de ordenar o cristianismo a partir de um texto
aceito universalmente: a "Vulgata" da "Bíblia".
De certa forma, o filme pode
ser entendido como resposta à
Babel do cinema brasileiro
contemporâneo, que em sua
ânsia de ser aceito pelo público
atira para todos os lados, enreda-se em esteticismos, faz concessões várias e, no fim, atinge
um público diminuto.
É o melhor Bressane desde
"Os Sermões" e, de longe, o filme mais significativo de um
festival até aqui bastante morno. Como sempre, Bressane
reivindica a solidão. Mais do
que nunca, parece postular a fé
(na imagem) e a ordenação do
cinema nacional em torno de
sua tradição.
Com esses dois filmes antinômicos, o fim-de-semana deu
peso ao 32º Festival de Brasília.
Ou bem se começa a levar a sério esse tipo de questão ou bem
isso vira um convescote em que
acumulam-se gentilezas que só
servem para evitar cesuras dolorosas. Exemplo: antes da projeção de seu filme, Waddington
saudava Bressane como "mestre de todos nós". O que veio a
seguir deixava claro que Bressane, como Glauber, pode ser
tudo, menos mestre do diretor
de "Gêmeas".
Texto Anterior: Cinema: Michael Apted vive entre fato e ficção Próximo Texto: Teatro: Adaptação de Almodóvar ganha leitura Índice
|