São Paulo, Segunda-feira, 29 de Novembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO GABEIRA

Na esquina do Brasil com a "Terceira Via"

Para alguns franceses, é a primavera do pensamento político. Com o declínio do marxismo, uma boa centena de flores desabrocharam e a revista "Magazine Littéraire" dedica um número especial ao tema, intitulado "A Renovação da Filosofia Política".
O quadro que os editores traçam nos dá a impressão de que havia sólido muro protegendo a França das novas idéias, que, vindas de dentro e de fora, acabaram por demolir umas estruturas parcialmente centradas na tese da luta de classes.
O primeiro sopro veio em 1971, com John Rawls e o livro "Teoria da Justiça", que se tornou um dos mais comentados do século, apesar de seu curto período de vida. Rawls vê o indivíduo e seus direitos fundamentais como o único sujeito do Direito. Pela mesma fresta que seu livro entrou, entraram também várias críticas a ele, quase todas partindo do princípio de que indivíduos isolados são muito abstratos.
Os críticos de Rawls consideravam que para identificar quem você é, de fato, torna-se necessário levar em conta um certo número de participações que temos na vida. Tentaram redefinir a identidade em termos de identidades coletivas, que podem ser de cultura ou de gênero.
Essa discussão acabou trazendo pela sua fresta um debate que no continente americano (no Canadá) estava mais desenvolvido. O debate sobre o multiculturalismo, às vezes girando em torno da possibilidade da existência de direitos coletivos. Na prática isso já aparece na política de cotas na universidade para os negros, nos Estados Unidos, e nas cotas para mulheres nas chapas eleitorais brasileiras.
O panorama da nova filosofia política destaca um importante lugar para Michel Foucault. Um lugar merecido sobretudo por seus trabalhos sobre as prisões, a loucura e o sexo. Interessar-se politicamente por temas desse tipo tornou-se mais viável, depois do declínio dos grandes sistemas de explicação.
Entre os ingleses, praticamente ocupa todo o espaço Anthony Giddens, um dos formuladores da "Terceira Via". Giddens tem um trabalho que poderia ser considerado eclético, pois investigou não apenas o declínio das fórmulas de esquerda ou direita, mas até das relações sentimentais.
A renovação dos trabalhistas na Inglaterra é apontada como um modelo bem-sucedido de encontro da "Terceira Via". Isso tem a ver com o Brasil, porque Fernando Henrique Cardoso participou do primeiro encontro internacional que se intitulava como o encontro da "Terceira Via".
Sob certos aspectos, Fernando Henrique cumpriu no Brasil alguns caminhos que são integrados nessa "Terceira Via". Ele aplicou, na primeira fase do seu governo, um projeto de reforma econômica liberal.
Bresser Pereira, um dos teóricos da experiência tucana, afirma no seu livro sobre o Estado que se tratava de um encontro passageiro. A aliança para realizar as reformas era apenas um meio para uma segunda etapa, marcada por uma melhor distribuição de renda . Será?
Acontece que, para além de algumas semelhanças, o Brasil teria sempre um papel singular nesse grupo porque vemos o mundo de uma forma diferente. Não foi à toa que os pedidos de maior controle dos fluxos de capitais foi recebido com frieza.
E só se deu uma parte do recado. A outra parte seria falar do controle de pessoas. O Brasil tem mais de 1 milhão de imigrantes no mundo. Além de melhor controle dos capitais, é preciso baixar mais o controle sobre as pessoas, que encontram cada vez mais dificuldade para buscar uma nova sorte no planeta.
Voltando ao número especial de "Magazine Littéraire" dedicado aos novos temas políticos, fiquei impressionado com a solidez da posição de Ettiene Balibar, um antigo parceiro do filosofo Luis Althusser.
Ele relativiza a luta de classes e coloca como ponto central no mundo de hoje o controle democrático sobre os controladores das fronteiras.
O Brasil teria um longo caminho na política internacional se, além da questão do fluxo de capitais, colocasse também o problema do trânsito das pessoas. Aí, creio, assumindo nossa realidade, já sairíamos um pouco das trilhas da "Terceira Via" e ficaria mais uma vez demonstrado que cada um tem de inventar a sua própria via.
Ou então podemos copiar o título de uma peça teatral: na prática a teoria da "Terceira Via" é outra.


Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: Cinco são detidos na Parada da Paz
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.