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FERNANDO GABEIRA
Na esquina do Brasil com a "Terceira Via"
Para alguns franceses, é a primavera do pensamento político.
Com o declínio do marxismo,
uma boa centena de flores desabrocharam e a revista "Magazine
Littéraire" dedica um número especial ao tema, intitulado "A Renovação da Filosofia Política".
O quadro que os editores traçam nos dá a impressão de que
havia sólido muro protegendo a
França das novas idéias, que, vindas de dentro e de fora, acabaram
por demolir umas estruturas parcialmente centradas na tese da luta de classes.
O primeiro sopro veio em 1971,
com John Rawls e o livro "Teoria
da Justiça", que se tornou um dos
mais comentados do século, apesar de seu curto período de vida.
Rawls vê o indivíduo e seus direitos fundamentais como o único
sujeito do Direito. Pela mesma
fresta que seu livro entrou, entraram também várias críticas a ele,
quase todas partindo do princípio
de que indivíduos isolados são
muito abstratos.
Os críticos de Rawls consideravam que para identificar quem
você é, de fato, torna-se necessário
levar em conta um certo número
de participações que temos na vida. Tentaram redefinir a identidade em termos de identidades
coletivas, que podem ser de cultura ou de gênero.
Essa discussão acabou trazendo
pela sua fresta um debate que no
continente americano (no Canadá) estava mais desenvolvido. O
debate sobre o multiculturalismo,
às vezes girando em torno da possibilidade da existência de direitos coletivos. Na prática isso já
aparece na política de cotas na
universidade para os negros, nos
Estados Unidos, e nas cotas para
mulheres nas chapas eleitorais
brasileiras.
O panorama da nova filosofia
política destaca um importante
lugar para Michel Foucault. Um
lugar merecido sobretudo por seus
trabalhos sobre as prisões, a loucura e o sexo. Interessar-se politicamente por temas desse tipo tornou-se mais viável, depois do declínio dos grandes sistemas de explicação.
Entre os ingleses, praticamente
ocupa todo o espaço Anthony
Giddens, um dos formuladores da
"Terceira Via". Giddens tem um
trabalho que poderia ser considerado eclético, pois investigou não
apenas o declínio das fórmulas de
esquerda ou direita, mas até das
relações sentimentais.
A renovação dos trabalhistas na
Inglaterra é apontada como um
modelo bem-sucedido de encontro da "Terceira Via". Isso tem a
ver com o Brasil, porque Fernando Henrique Cardoso participou
do primeiro encontro internacional que se intitulava como o encontro da "Terceira Via".
Sob certos aspectos, Fernando
Henrique cumpriu no Brasil alguns caminhos que são integrados nessa "Terceira Via". Ele aplicou, na primeira fase do seu governo, um projeto de reforma econômica liberal.
Bresser Pereira, um dos teóricos
da experiência tucana, afirma no
seu livro sobre o Estado que se tratava de um encontro passageiro.
A aliança para realizar as reformas era apenas um meio para
uma segunda etapa, marcada por
uma melhor distribuição de renda . Será?
Acontece que, para além de algumas semelhanças, o Brasil teria
sempre um papel singular nesse
grupo porque vemos o mundo de
uma forma diferente. Não foi à
toa que os pedidos de maior controle dos fluxos de capitais foi recebido com frieza.
E só se deu uma parte do recado.
A outra parte seria falar do controle de pessoas. O Brasil tem mais
de 1 milhão de imigrantes no
mundo. Além de melhor controle
dos capitais, é preciso baixar mais
o controle sobre as pessoas, que
encontram cada vez mais dificuldade para buscar uma nova sorte
no planeta.
Voltando ao número especial de
"Magazine Littéraire" dedicado
aos novos temas políticos, fiquei
impressionado com a solidez da
posição de Ettiene Balibar, um
antigo parceiro do filosofo Luis
Althusser.
Ele relativiza a luta de classes e
coloca como ponto central no
mundo de hoje o controle democrático sobre os controladores das
fronteiras.
O Brasil teria um longo caminho na política internacional se,
além da questão do fluxo de capitais, colocasse também o problema do trânsito das pessoas. Aí,
creio, assumindo nossa realidade,
já sairíamos um pouco das trilhas
da "Terceira Via" e ficaria mais
uma vez demonstrado que cada
um tem de inventar a sua própria
via.
Ou então podemos copiar o título de uma peça teatral: na prática
a teoria da "Terceira Via" é outra.
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