|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Banda faz revisão utópica da juventude
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando a juventude acaba,
muitas bandas de rock caem
numa zona fantasma, que os assombra mais que a seus ouvintes.
Se não encaram bem essa passagem, se descaracterizam. Outras
penam para manter uma história
criativa, mesmo agradando menos pessoas que antes.
O Ira! pertence a essa segunda
frente. Sua labuta é burilar os feitos passados, dentro da utopia de
que seja possível melhorá-los. O
fio fica tenso entre criação e repetição, e é dessa atividade operária
que surge o que há de mais divertido em "Entre Seus Rins".
Ele é repleto de referências aos
anos jovens da banda. Até se pode
falar em mera redundância, mas o
caso do Ira! é daqueles em que o
ganho de técnica e domínio musical conseguem espantar mais que
os eternos retornos.
Assim, "O Bom e Velho Rock'n"
Roll", prima-irmã mais velha e
adiposa de "Farto do Rock'n"
Roll" (88), é cínica até a raiz dos
cabelos brancos, como a mais jovem ainda não conseguia ser.
"Superficial (Como um Espinho)", que já aparecera no CD ao
vivo, abusa de cordas semi-eruditas, o que faz dela parente próxima de "Flores em Você" (86), mas
mais inteligente e cerebral.
Lances tenuamente eruditos
também ocorrem na impressionante "Para Ser Humano", em
que os vocais eletronizados fazem
pensar nos "sintetizadores bem
temperados" do kitsch-chique
Walter Carlos. Cantando que "para ser humano não precisa ser um
herói", o Ira! reformula "Receita
para se Fazer um Herói" (88).
A letra (e esse continua sendo o
ponto fraco do Ira!, desta vez muito ocupado em frases do tipo
"moral da história") ainda é prosaica, mas a ingenuidade juvenil
tenta escapar do discurso.
O mesmo tom orienta "A Vida
por um Fio". "Meu Deus, o que
vou ser/ quando parar de crescer?", canta a letra, lançando fofa
confusão por sobre os conceitos
da pequerrucha "15 Anos (Vivendo e Não Aprendendo)" (86).
E o Ira! mantém a recente (e
bem-sucedida) prática de gravar
achados pouco conhecidos
-agora é "Homem de Neanderthal", do incrível Frank Jorge.
Dessa vez, é o arranjo que dá um
tom regressivo. A banda que já foi
mod não parece muito disposta a
assumir a breguice iê-iê-iê que faz
toda a graça da versão de Frank
Jorge. Fica uma faixa rocker, sisuda, pouco corajosa.
Espertamente, no entanto, o
grupo bagunça a sisudez já na faixa seguinte, a sensacional "Um
Homem Só", história de um cara
mod (um britpop, se é para falar
nos termos de hoje) que não sabe
amar. Mesmo com um trecho
bem punk rock em seu interior, é
depuração sofisticada dos trunfos
musicais da jovem guarda, sem
medo de ceder às convenções do
brega nem tentação de obedecer a
cânones mofos de rock e MPB.
Mais séria, a bela "O Tempo"
tem lá seus parentescos com as
baladas iê-iê-iê e até com a velha
MPB. "Vai devagar, devagar, devagar, divagando", divaga Nasi. O
Ira! conhece bem o leve e o pesado
que o tempo vem jogando em
seus ombros. E só vê graça no
brinquedo se for encará-lo com a
teimosa coragem de sempre. Isso
é que é rock'n'roll.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Entre Seus Rins
Grupo: Ira!
Lançamento: Deck Disc/Abril Music
Quanto: R$ 19,90 (preço sugerido)
Texto Anterior: Ira! pula na fogueira em "Entre Seus Rins" Próximo Texto: Gastronomia - França: Alain Ducasse empresta grife para cozinha de hotel Índice
|