São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Banda faz revisão utópica da juventude

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando a juventude acaba, muitas bandas de rock caem numa zona fantasma, que os assombra mais que a seus ouvintes. Se não encaram bem essa passagem, se descaracterizam. Outras penam para manter uma história criativa, mesmo agradando menos pessoas que antes.
O Ira! pertence a essa segunda frente. Sua labuta é burilar os feitos passados, dentro da utopia de que seja possível melhorá-los. O fio fica tenso entre criação e repetição, e é dessa atividade operária que surge o que há de mais divertido em "Entre Seus Rins".
Ele é repleto de referências aos anos jovens da banda. Até se pode falar em mera redundância, mas o caso do Ira! é daqueles em que o ganho de técnica e domínio musical conseguem espantar mais que os eternos retornos.
Assim, "O Bom e Velho Rock'n" Roll", prima-irmã mais velha e adiposa de "Farto do Rock'n" Roll" (88), é cínica até a raiz dos cabelos brancos, como a mais jovem ainda não conseguia ser.
"Superficial (Como um Espinho)", que já aparecera no CD ao vivo, abusa de cordas semi-eruditas, o que faz dela parente próxima de "Flores em Você" (86), mas mais inteligente e cerebral.
Lances tenuamente eruditos também ocorrem na impressionante "Para Ser Humano", em que os vocais eletronizados fazem pensar nos "sintetizadores bem temperados" do kitsch-chique Walter Carlos. Cantando que "para ser humano não precisa ser um herói", o Ira! reformula "Receita para se Fazer um Herói" (88).
A letra (e esse continua sendo o ponto fraco do Ira!, desta vez muito ocupado em frases do tipo "moral da história") ainda é prosaica, mas a ingenuidade juvenil tenta escapar do discurso.
O mesmo tom orienta "A Vida por um Fio". "Meu Deus, o que vou ser/ quando parar de crescer?", canta a letra, lançando fofa confusão por sobre os conceitos da pequerrucha "15 Anos (Vivendo e Não Aprendendo)" (86).
E o Ira! mantém a recente (e bem-sucedida) prática de gravar achados pouco conhecidos -agora é "Homem de Neanderthal", do incrível Frank Jorge. Dessa vez, é o arranjo que dá um tom regressivo. A banda que já foi mod não parece muito disposta a assumir a breguice iê-iê-iê que faz toda a graça da versão de Frank Jorge. Fica uma faixa rocker, sisuda, pouco corajosa.
Espertamente, no entanto, o grupo bagunça a sisudez já na faixa seguinte, a sensacional "Um Homem Só", história de um cara mod (um britpop, se é para falar nos termos de hoje) que não sabe amar. Mesmo com um trecho bem punk rock em seu interior, é depuração sofisticada dos trunfos musicais da jovem guarda, sem medo de ceder às convenções do brega nem tentação de obedecer a cânones mofos de rock e MPB.
Mais séria, a bela "O Tempo" tem lá seus parentescos com as baladas iê-iê-iê e até com a velha MPB. "Vai devagar, devagar, devagar, divagando", divaga Nasi. O Ira! conhece bem o leve e o pesado que o tempo vem jogando em seus ombros. E só vê graça no brinquedo se for encará-lo com a teimosa coragem de sempre. Isso é que é rock'n'roll.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Entre Seus Rins    
Grupo: Ira!
Lançamento: Deck Disc/Abril Music Quanto: R$ 19,90 (preço sugerido)




Texto Anterior: Ira! pula na fogueira em "Entre Seus Rins"
Próximo Texto: Gastronomia - França: Alain Ducasse empresta grife para cozinha de hotel
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.