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FERNANDO BONASSI
O problema do gado
Tudo leva a crer até mesmo
aos ateus mais empedernidos que o problema do gado é o
estado lamentável em que foi deixado. Afinal, esse gado está sendo
criado só para ser abatido e ainda
tem que posar como o bandido
das péssimas condições de higiene
em que vareja em busca de um
sentido!
Não dá!
Nada de tal absurdo é exatamente culpa desses bichos passivos, mas daqueles outros, mais
racionais, ainda que não menos
animais em seus lesivos desejos
carnívoros.
Desconfia-se até que o problema desse gado nem seja apenas
brasileiro, mas talvez humano,
quem sabe latino, senão "ladino
americano" ou "brasiguaio" mesmo, já que uns e outros mais excitados e extraviados andam pulando as cercas de ambos os lados,
quando deviam é se descontentar
com os países que construíram e
destruíram nessas guerras de esfarrapados...
Que diferença faz para o boi ralado se sua carne moída é consumida numa lanchonete de Assunção, numa padaria do bairro do
Limão, num balcão de Veneza ou
na gôndola de um supermercado
na periferia de Fortaleza?
Será por essa fome mesquinha
que o gado adoece?
Não terá nunca fome de outra
coisa que não seja essa grama rala?!
Quem são os verdadeiros açougueiros dessa história?
O gado pode estar ficando engasgado e taciturno com as repetidas costelas que envia ao matadouro para as benesses de espécies
alheias, enquanto recebe uma ração que mal dá para parar em pé
na degola promovida por esses
campos de concentração e trabalhos forçados.
Dá pra sentir a depressão desse
gado com aqueles capatazes que
deviam lhe prestar auxílio mas
simplesmente não prestam, ou
são incapazes... Além do mais, o
gado que é pardo pode estar
exaurido de ser confundido no escuro com marginal quando abordado por um policial que claramente se especializou no extermínio dos aflitos...
Há também muito gado que foi
comprado por lebre e que agora
chora o próprio leite derramado,
isto também é um fato, ou um
fardo, como queiram... Tem também a exceção de uma parte desse
gado que incha de forma obscena
em meio ao descalabro e sabe das
safadezas que fez e das incertezas
que espalhou para ser esquecido
nas maiores sombras e com as
melhores sobras desses repastos
públicos de licitações privadas.
Quem ainda pode se servir dessas carnes mal passadas sem medo ou culpa? Que desculpa terão
os comerciantes para aumentar o
preço da injeção de desânimo à
qual esse gado foi viciado?
Ou será que essas carnes outrora tão apreciadas não despertam
mais a mesma água na boca de
quem pode pagá-las para comê-las?
Serão essas vacas magras as
mães desvairadas daqueles bois
gordos supostamente seqüestrados dos pastos em que perambulavam teimosamente contra os
interesses gastronômicos nacionais?
Ou os interesseiros seriam os
eternos carniceiros profissionais?
Parece que é mais fácil remover,
ou transpor, montanhas d'água
do que compensar as mágoas históricas desse gado!
Como esse gado tem memória
curta!
As fontes de verdadeira sabedoria andam tão escassas que até
mesmo os grandes macacos evoluídos estão quebrando o galho
dos menores atrasados, só pra
não caírem juntos em meio aos
furacões e enchentes dos escândalos...
Pode ser que esse gado esteja se
sentindo como rato de laboratório, com todas essas teorias econômicas e sociais que, no frigir dos
ovos está beneficiando mais aos
frangos gripados, todos cercados
de cuidados, do que os seus passos
em falso nesses latifúndios grilados.
Os granjeiros chineses e demais
camponeses do Oriente ao menos
estão felizes com os homens que
mandaram ao espaço, porque os
daqui sabem na carne que o espaço é muito, mas tem o domínio de
uns poucos abutres, ou escorpiões,
já que preferem espetar os ferrões
na própria cabeça do que pensar
em distribuir as rendas e reses que
acumulam desde as grande navegações.
Quer dizer: os exemplos dados
ao gado mal convencem os patos
aposentados!
O perigo real é que esse gado tenha finalmente percebido que a
satisfação de uns é a escravidão
dos outros, que ficam tontos diante de tantos ideais. Ou pior: que
possa haver nesta espécie aparentemente mansa um tipo de eletricidade nova, uma vontade de novidade que é capaz de lançá-la
contra esses cofres e porteiras mal
trancadas... Assim, pode até ser
que a febre do gado seja frescura,
mas há uma mensagem obscura
em sua febre: o gado pode estar
doente porque sente a cabeça à
prêmio de churrasco e porque pode ter decidido perecer a continuar servindo ao prazer dos vossos pratos assinados!
Já que não são donos de sua vida, podem estar querendo ser donos de sua morte... imaginem o
prejuízo para os currais eleitorais!
Deus me livre, sô!
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