São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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Crítica/artes plásticas

Crítico narra cotidiano artístico de NY

Em "New Art City", Jed Perl faz minucioso levantamento e mostra a vida dos artistas na atmosfera cultural da cidade

GLÓRIA FERREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"New Art City" não traz exatamente a história da arte americana desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial até os anos 80, período abordado por Jed Perl, crítico de arte da revista "The New Republic".
Trata-se, de certo modo, de uma história cuja narrativa nos introduz ao cotidiano dos artistas e críticos em Nova York e à própria constituição da cidade como pólo hegemônico da arte.
Com escolhas bastante definidas, por vezes surpreendentes, seu minucioso levantamento dos principais acontecimentos, dos encontros e conversas estabelece um panorama das reflexões e embates que informaram a práxis artística marcada pelo imperativo "estamos fazendo a partir de nós mesmos".
Como uma saga, mas em tom de crônica, desenrolada em cinco grandes tópicos declinados em diversos subcapítulos, o autor traz a vida dos artistas e do meio de arte na atmosfera cultural da cidade, dos encontros no Cedar Tavern aos acalorados debates no The Artist Club, entrelaçando fatos cotidianos e considerações estéticas de diversas ordens.
Se a inflexão é de saga, Perl não se atém apenas aos grandes nomes cuja posteridade marcaram a arte mundial; evita hierarquizações detendo-se às vezes longamente sobre artistas desconhecidos na intenção de trazer à tona o contexto de densa trama de reflexões e debates sobre a arte.

Figuras heróicas
Com referências ao longo de todo o livro, especiais tributos são prestados a Hans Hofmann, professor de muitos artistas e fomentador da "aventura romântica nos anos 40 e 50", e a De Kooning, "considerado por seus contemporâneos um precursor de tudo que era avançado em arte".
Em "Algumas Versões do Romantismo", o autor analisa figuras heróicas, como Pollock, e a busca romântica que caracteriza a cena artística nova-iorquina em meados do século 20. Busca marcada, apesar das contradições e, até, às vezes, rejeição do romantismo, pelo anseio de uma auto-expressão que fosse abstrata ainda que concreta, mais do que material ainda que fundamentada nos materiais da arte: "Deve-se chamar isso de atitude não-romântica romântica". É o momento áureo da antipitoresca Tenth Street, que oferecia espaço para o conhecido e para o acaso, "cenário perfeito para a nova pintura "anti-romântica romântica'".
A linha condutora da argumentação de Jed Perl é a passagem da cena artística constituída por criações soturnas, fundadas no existencialismo e na visão heróica e romântica de rupturas históricas, para os trabalhos contemporâneos baseados no empirismo: "Para os artistas do início dos anos 60 o empirismo pode ser definido como a crença de que o artista deve concentrar-se no que é imediato e deve esquivar-se do que é aéreo e especulativo".
No último tópico do livro, "A Imaginação Empírica", Jed Perl descreve e analisa longamente a atividade crítica e artística de Donald Judd, indicando sua ênfase no empirismo de "trabalhar a partir da vida".
Comparando a crítica de Judd e de Fairfield Porter, o autor assinala as relações, apesar de suas posições estéticas antagônicas, que esses dois artistas guardam na análise da atmosfera de crise do início dos anos 60, com a negação do idealismo e da pictorialidade da Tenth Street: "Havia uma necessidade de reafirmar as bases do fazer artístico e fazer dessa reafirmação um complexo drama empírico, drama que não era tanto rejeição do romantismo de uma ou duas décadas anteriores, mas aprofundamento da atitude não-romântica romântica", como no grande complexo construído por Judd em Marfa.
A pertinência e justeza da leitura do autor sobre as formulações deste artista se evidenciam particularmente ao destacar a íntima relação entre as formulações crítico-teóricas do artista e a gênese de suas obras ("ele estava em busca de si mesmo, não em favor de alguma idéia impessoal de história").
Não deixa de surpreender, contudo, o absoluto silêncio sobre o conjunto de obras e textos de muitos outros artistas, como, por exemplo, Robert Morris e Robert Smithson.
Se com "Broadway Boogie Woogie" Mondrian dará, como diz o autor, o "mais importante auto-retrato em pintura" de Nova York, "New Art City" constitui uma bela celebração da "cena da vida futura", que tanto fascinara Le Corbusier, Léger e muitos outros visitantes desde o início do século 20, e cuja produção artística marcou de modo incontornável a história da arte ocidental.


GLÓRIA FERREIRA é crítica, curadora e professora da UFRJ; dirige a Coleção Arte+ (Zahar)

NEW ART CITY
Autor:
Jed Perl
Tradução: Vera Pereira e Pedro Maia Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 89 (712 págs.)
Avaliação: bom



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