|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/artes plásticas
Crítico narra cotidiano artístico de NY
Em "New Art City", Jed Perl faz minucioso levantamento e mostra a vida dos artistas na atmosfera cultural da cidade
GLÓRIA FERREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"New Art City" não
traz exatamente a
história da arte
americana desenvolvida após a
Segunda Guerra Mundial até os
anos 80, período abordado por
Jed Perl, crítico de arte da revista "The New Republic".
Trata-se, de certo modo, de
uma história cuja narrativa nos
introduz ao cotidiano dos artistas e críticos em Nova York e à
própria constituição da cidade
como pólo hegemônico da arte.
Com escolhas bastante definidas, por vezes surpreendentes,
seu minucioso levantamento
dos principais acontecimentos,
dos encontros e conversas estabelece um panorama das reflexões e embates que informaram a práxis artística marcada
pelo imperativo "estamos fazendo a partir de nós mesmos".
Como uma saga, mas em tom
de crônica, desenrolada em
cinco grandes tópicos declinados em diversos subcapítulos, o
autor traz a vida dos artistas e
do meio de arte na atmosfera
cultural da cidade, dos encontros no Cedar Tavern aos acalorados debates no The Artist
Club, entrelaçando fatos cotidianos e considerações estéticas de diversas ordens.
Se a inflexão é de saga, Perl
não se atém apenas aos grandes
nomes cuja posteridade marcaram a arte mundial; evita hierarquizações detendo-se às vezes longamente sobre artistas
desconhecidos na intenção de
trazer à tona o contexto de densa trama de reflexões e debates
sobre a arte.
Figuras heróicas
Com referências ao longo de
todo o livro, especiais tributos
são prestados a Hans Hofmann, professor de muitos artistas e fomentador da "aventura romântica nos anos 40 e 50",
e a De Kooning, "considerado
por seus contemporâneos um
precursor de tudo que era
avançado em arte".
Em "Algumas Versões do Romantismo", o autor analisa figuras heróicas, como Pollock, e
a busca romântica que caracteriza a cena artística nova-iorquina em meados do século 20.
Busca marcada, apesar das
contradições e, até, às vezes, rejeição do romantismo, pelo anseio de uma auto-expressão
que fosse abstrata ainda que
concreta, mais do que material
ainda que fundamentada nos
materiais da arte: "Deve-se
chamar isso de atitude não-romântica romântica". É o momento áureo da antipitoresca
Tenth Street, que oferecia espaço para o conhecido e para o
acaso, "cenário perfeito para a
nova pintura "anti-romântica
romântica'".
A linha condutora da argumentação de Jed Perl é a passagem da cena artística constituída por criações soturnas, fundadas no existencialismo e na
visão heróica e romântica de
rupturas históricas, para os trabalhos contemporâneos baseados no empirismo: "Para os artistas do início dos anos 60 o
empirismo pode ser definido
como a crença de que o artista
deve concentrar-se no que é
imediato e deve esquivar-se do
que é aéreo e especulativo".
No último tópico do livro, "A
Imaginação Empírica", Jed
Perl descreve e analisa longamente a atividade crítica e artística de Donald Judd, indicando sua ênfase no empirismo
de "trabalhar a partir da vida".
Comparando a crítica de
Judd e de Fairfield Porter, o autor assinala as relações, apesar
de suas posições estéticas antagônicas, que esses dois artistas
guardam na análise da atmosfera de crise do início dos anos
60, com a negação do idealismo
e da pictorialidade da Tenth
Street: "Havia uma necessidade de reafirmar as bases do fazer artístico e fazer dessa reafirmação um complexo drama
empírico, drama que não era
tanto rejeição do romantismo
de uma ou duas décadas anteriores, mas aprofundamento da
atitude não-romântica romântica", como no grande complexo construído por Judd em
Marfa.
A pertinência e justeza da leitura do autor sobre as formulações deste artista se evidenciam particularmente ao destacar a íntima relação entre as
formulações crítico-teóricas do
artista e a gênese de suas obras
("ele estava em busca de si mesmo, não em favor de alguma
idéia impessoal de história").
Não deixa de surpreender, contudo, o absoluto silêncio sobre
o conjunto de obras e textos de
muitos outros artistas, como,
por exemplo, Robert Morris e
Robert Smithson.
Se com "Broadway Boogie
Woogie" Mondrian dará, como
diz o autor, o "mais importante
auto-retrato em pintura" de
Nova York, "New Art City"
constitui uma bela celebração
da "cena da vida futura", que
tanto fascinara Le Corbusier,
Léger e muitos outros visitantes desde o início do século 20,
e cuja produção artística marcou de modo incontornável a
história da arte ocidental.
GLÓRIA FERREIRA é crítica, curadora e professora da UFRJ; dirige a Coleção Arte+ (Zahar)
NEW ART CITY
Autor: Jed Perl
Tradução: Vera Pereira e Pedro Maia
Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 89 (712 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Rodapé Literário: Restos e ruínas Próximo Texto: Bomb the Bass celebra dance music em festival Índice
|