São Paulo, segunda, 29 de dezembro de 1997.




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Boxe é o que menos importa em "Quando Éramos..."

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

O que menos importa em "Quando Éramos Reis" é o boxe. Ou ao menos a idéia imediata que sempre esteve associada ao esporte: brutalidade, violência doentia e irracionalidade na sua mais primitiva forma.
Não que em "Quando Éramos" a luta e seus detalhes seja desprezada. Ao contrário. Em cada imagem assistimos a tensão e um certo desespero que toma conta dos protagonistas (e dos vários coadjuvantes) nos instantes que antecedem a uma verdadeira batalha.
Pois bem. O filme realizado por Leon Gast documenta o dia em que Muhammad Ali e George Foreman se encontram na África, o Zaire do ditador Mobutu, para decidir qual dos dois é o melhor lutador.
Gast nos oferece até ilustres testemunhas do acontecimento, como o escritor norte-americano Norman Mailer, que quase salta da cadeira ao tentar imitar os gestos de Ali.
Para quem está interessado apenas no que há de documental, tudo está lá. Mas esse mesmo tudo só existe para servir a uma causa maior: descobrir quem, de fato, é Muhammad Ali e, ainda mais, quem Muhammad Ali poderia ter sido.
Esse, na verdade, é o grande problema -ou tema- exposto por Gast. Ali, aos seus olhos, é um ícone único na história contemporânea de seu país. Uma mistura de líder político, libertador racial, Elvis e Jerry Lewis resumidos em uma só pessoa.
Um lutador, sim, um lutador. Mas Ali, em "Quando Éramos Reis", salta para um outro campo, uma realidade que, com o tempo e as derrotas sofridas por todo tipo de utopia e ações radicais nos anos 60, acabou por se tornar quase uma sombra.
Hoje, temos a imagem de um Ali doente, a patética figura que quase não consegue formular uma frase inteira. Gast presta um tipo de serviço público ao tirá-lo desse destino. Seu filme nos recorda que estamos diante tanto de um atleta quanto de um subversivo.
Há, claro, um certo fanatismo do cineasta em relação ao seu objeto. Por vezes a imagem de Ali é romantizada ao excesso, e suas contradições são mais divertidas do que propriamente incômodas.
Talvez esse seja um dos motivos que façam de "Quando Éramos Reis" apenas um excelente filme, e não uma obra exemplar, impecável. Gast adora demais Ali, e quer que o público o acompanhe nessa adoração.
De qualquer maneira, durante segundos, minutos, rápidas cenas, ele consegue seu objetivo. Nos dá a exata dimensão da força que há em Muhammad Ali.
Apenas essa eficácia fugidia já faz de "Quando Éramos Reis" um filme obrigatório.

Filme: Quando Éramos Reis
Produção: EUA, 1996, 92 min
Direção: Leon Gast
Lançamento: Top Tape (011/826-3066)





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