São Paulo, segunda, 29 de dezembro de 1997.




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Indústria não espera mais pela escola

MELCHIADES FILHO
Editor de Esporte

Não perca o espetacular "Hoop Dreams". Mas não espere encontrar nele um retrato fiel do açougue do esporte profissional.
É que, nesses seis anos que sucederam o encerramento das filmagens, a fome da NBA virou do avesso a caça por jovens talentos.
Em "Hoop Dreams", coube a um corretor de seguros balofo e tristonho exercer o papel de fada/cafetão, dando o primeiro empurrão nos teens Arthur e William.
Da pindaíba dos Cingapuras de Chicago, os dois foram oferecidos a uma escola de almofadinhas, majoritariamente branca, conhecida por produzir equipes competitivas de basquete e encaminhar seus atletas a boas universidades.
Uma escola de segundo grau decente, uma faculdade legal depois, e o acesso à NBA estaria garantido, imaginavam Arthur e William.
Sua batalha para cumprir o trajeto (pagar as aulas, obter boas notas, passar no "vestibular", em cinco anos de crises familiares e financeiras) é a espinha-dorsal da narrativa de "Hoop Dreams".
Curiosamente, é por causa disso que o filme ficou jornalisticamente datado. Hoje, o roteiro escola-universidade-profissionais perdeu sentido. A indústria não espera mais. Vai direto à fonte, aos playgrounds, com o objetivo de recrutar talento o mais rápido possível.
As grandes empresas de material esportivo fincaram representações nos bairros pobres. Entre seus contratados estão diretores e professores de primeiro grau.
Não há mais lugar para olheiros free-lancers. Deixaram de importar matrículas e boletins.
Prova disso, desde 1995 quatro adolescentes fizeram sem escala o salto do segundo grau para a NBA -proeza muito rara até então.
Um, Kevin Garnett, hoje 21, acaba de firmar contrato salarial de US$ 125 milhões por seis anos.
Outro, Tracy McGrady, 18, obteve patrocínio da Adidas, US$ 3 milhões, antes de deixar a escola.
Por sua vez, Arthur e William, os personagens do documentário, jamais alcançaram o reino encantado da liga profissional. Faturaram um pouco na esteira do filme, exibindo a fama em palestras. Mas em 1996, pais de família, estavam de volta ao bairro e playgrounds em que foram "achados" aos 14 anos.



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