São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2001

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LITERATURA

Poeta e narrador, o colombiano Álvaro Mutis receberá em abril o maior prêmio das letras em língua espanhola

Vencedor do Cervantes é aventureiro como Maqroll

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele nasceu em Bogotá, em 25 de agosto de 1923 -dia que, gosta de dizer, lhe rendeu a influência de seu patrono, são Luís, rei da França. Cresceu entre a capital belga, Bruxelas, e a fazenda de café de seu avô, em Tolima, na Colômbia. Desde 1956, mora no México.
Em poucas linhas, transparece o passado aventuroso de Álvaro Mutis, escolhido, no último dia 12, como vencedor do Prêmio Cervantes. Os 15 milhões de pesetas (cerca de US$ 79 mil) correspondentes à honraria maior da literatura em língua hispânica serão entregues em abril, na cidade de Alcalá de Henares, a 30 km de Madri, onde nasceu Miguel de Cervantes.
Autor de 20 títulos em prosa e poesia, conhecido por ser amigo e influenciador de Gabriel García Márquez, Mutis cravou o espírito viajante em seu personagem mais famoso: o marinheiro Maqroll, que ocupa sete de seus livros.
Além de uma antologia poética bilíngue editada pela Record, são dois romances do septeto de Maqroll o total da obra de Mutis publicada no Brasil: o esgotado "A Neve do Almirante", de 86, e "Ilona Chega com a Chuva", de 98, ambos pela Companhia das Letras (os sete se encontram, em espanhol, reunidos no volume "Empresas y Tribulaciones de Maqroll el Gaviero", lançado recentemente pela Alfaguara).
"Gaviero" -gaveiro, em português- é a alcunha do marinheiro de Mutis. É da gávea (posto de observação do navio, de onde se solta o clássico "terra à vista") que Maqroll prefere mirar o mundo. Pouco afeito a entrevistas, no site de sua editora, Mutis define a relação com o personagem.
"Maqroll, o Gaveiro, aparece nos primeiros poemas que escrevi, com intenção de publicar, aos 19 anos. (...) O segundo poema que escrevi, para o suplemento dominical do "El Espectador", se chama "Oración de Maqroll el Gaviero". Desde então, ele me acompanha de forma explícita ou tácita em cada linha que escrevo."
Talvez Maqroll tenha acompanhado, em simbiose, mais do que a literatura do romântico Mutis. Como nos diz a introdução de "Ilona", para o Gaveiro a moral era "matéria singularmente maleável, que ele costumava moldar às circunstâncias do presente".
Pode ter sido movido por essa singular flexibilidade que Mutis se encaminhou para o México. Explica-se: não foi por vontade própria que o escritor emigrou, mas para evitar complicações com a Esso, empresa petroleira de que foi relações-públicas em 1954 e que o processava por malversar dinheiro de seus caixas.
Não adiantou. O colombiano amargou 15 meses no cárcere de Lecumberri, na Cidade do México, por causa dos tais "fundos designados pela multinacional a obras de caridade, que Mutis usou como se fossem seus, em quixotadas da cultura" -como define sua biografia no site da Biblioteca Luis Angel Arango, de Bogotá (www.banrep.gov.co).
Durante o período, foi visitado semanalmente pela jornalista e escritora Elena Poniatowska -ela mesma outra personagem romanesca, de origem nobre polonesa, nascida na França e naturalizada mexicana.
Poni, como a chamava Carlos Fuentes, era então uma moça charmosa em busca de material para seus textos jornalísticos. Acabou desenvolvendo uma grande amizade com o colombiano, que conhecera em festas da intelectualidade mexicana e a quem levava livros na prisão. Do encarceramento, nasceram dois livros: "Diário de Lecumberri", escrito por Mutis em 1960, e "Cartas de Álvaro Mutis a Elena Poniatowska", reunidas pela escritora, com o aval do amigo, em 98. (FA)


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