|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Duro de matar
"Tropa de Elite", novo filme de José Padilha ("Ônibus 174"), expõe entranhas da polícia para explicar por que ela "é o que é"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Tropa de Elite", filme inédito do cineasta José Padilha, esparrama-se por um terreno
pantanoso no qual nem sempre
polícia é polícia; bandido é bandido; e ficção é ficção.
A questão da segurança pública no Brasil -especialmente
no Rio de Janeiro, que atravessa agora nova crise, com série
de ataques de facções criminosas- é o tema de Padilha desde
seu filme anterior, o documentário "Ônibus 174".
Com "Ônibus 174", ele foi reconhecido dentro e fora do Brasil, pela qualidade da reconstituição da saga pessoal do delinqüente Sandro do Nascimento,
ao mesmo tempo em que revê a
atuação do Bope (Batalhão de
Operações Especiais) no episódio do seqüestro do lotação por
Nascimento -que terminou
com a morte de Nascimento e
de uma passageira.
"Tropa de Elite" era originalmente um projeto de documentário, derivado de "Ônibus
174", tendo o Bope como tema
principal. O título se converteu
num drama ficcional quando
Padilha concluiu que o "filme
que queria fazer não era exeqüível como documentário".
A impossibilidade, segundo o
cineasta, está no fato de que
"policiais sinceros não estavam
dispostos a falar em frente às
câmeras, com medo de retaliações". Contudo, Padilha diz que
"os antigos membros do Bope
têm muita preocupação em dividir com a sociedade a culpa
das repugnâncias que viveram
em sua vida profissional".
E assim "Tropa de Elite" se
transformou num filme de ficção, para "mostrar a forma pela
qual nossas instituições policiais transformam quem tenta
fazer parte delas".
O diretor diz que não busca
"culpas, mas relações de causa
e efeito", até porque "a polícia
não existe no vazio. Ela é o que
é e faz o que faz por causa da sociedade que a moldou", afirma.
Nas filmagens do longa, finalizadas neste mês, uma van da
equipe foi alvo de um roubo
que fez sumir um carregamento de armas cenográficas. Após
o ataque, diversos profissionais
da equipe desertaram do set.
Temia-se que o roubo fosse
um recado mandado pelo Bope
de seu desagrado com uma história que expõe a face menos
honrosa da corporação -a de
policiais que distorcem suas
funções, lucram com a criminalidade e usam a violência excessiva e indiscriminadamente.
Padilha diz que "afirmações
nesse sentido [de apontar o Bope por trás do roubo] não são
verdadeiras". Segundo o diretor, "a Polícia Militar do Rio de
Janeiro ficou preocupada com
a realização do filme e com sua
imagem como instituição, mas
respeitou a liberdade de expressão e não atrapalhou o filme. Na verdade, ajudou bastante". Sobre o Bope, diz que o batalhão "também não interferiu
ou ameaçou as filmagens".
"Tropa de Elite" enfoca o
grupo especializado no combate ao tráfico nos morros cariocas por meio da trajetória de
três oficiais (interpretados pelos atores Wagner Moura, Caio
Junqueira e André Ramiro).
O prejuízo causado pelo roubo das armas, somado à contratação de uma equipe de profissionais norte-americanos especialistas em cenas de ação e aos
custos de filmagens em quatro
locações, ou seja, fora de estúdio, fizeram com que o orçamento de "Tropa de Elite" saltasse de R$ 4,9 milhões para R$
10,5 milhões, autorizados ao
benefício do patrocínio pelas
leis de renúncia fiscal.
Com a nova cifra, o título acabou se tornando "o longa de
maior porte filmado no Brasil
em 2006", de acordo com seu
produtor, James Darcy.
Padilha afirma que as filmagens de "Tropa de Elite" foram
"a mais gratificante dose de estresse" que já experimentou.
Tormentos com a representação da violência no cinema
-tema quase obrigatório na recente produção nacional- não
consomem o cineasta. "Dou
pouca importância a discussões sobre a relação entre a estética e a ética, porque usualmente elas se dão a partir de
conceitos mal definidos", diz.
Cineasta com formação em
física, Padilha prefere fazer
"uma distinção entre o conteúdo objetivo [o que um filme
afirma da realidade] e o conteúdo estético do filme [como o filme faz estas afirmações]", evocando as noções de sentido segundo o pensamento do matemático e filósofo alemão Gottlob Frege (1848-1925).
"A meu ver, a ética dos filmes
se relaciona diretamente com o
seu conteúdo objetivo e apenas
indiretamente com o seu conteúdo estético", afirma Padilha.
Levar o filme (e a discussão)
ao Festival de Cannes é a pretensão de Padilha, impulsionada pelos irmãos Weinstein, sócios internacionais do longa.
Proprietários do extinto e
lendário selo Miramax, os
Weinstein -agora sob a grife
Weinstein Co- são experts em
transformar filmes de orçamento médio em exemplos de
sucesso de público e renda.
Para pleitear uma vaga em
Cannes, "Tropa de Elite" tem
de estar pronto até maio, data
do festival. A partir do início de
2007, Padilha troca o Rio de Janeiro por São Paulo, para fazer
a edição do material, ao lado do
montador Daniel Rezende, o
mesmo de "Cidade de Deus".
Texto Anterior: Thiago Ney: Opostos Próximo Texto: Filme retoma equipe de "Cidade de Deus" Índice
|