São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Índice

As mais bonitas lojas de SP têm projetos assinados por arquitetos de trânsito internacional e alto controle de qualidade

Arquitetura da moda

ALVARO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A glamourização de bairros de São Paulo, como o Jardim Paulista, e a criação de áreas de consumo exclusivas em alguns shoppings se enraízam no choque econômico liberal do governo Collor em 90, quando as grifes de maior prestígio começaram a estabelecer espaços próprios.
Longe de perder impulso, a tendência traça curva ascendente desde o final da década, com investimentos mais pesados chegando com a montagem de flagships (lojas-modelo) de marcas de liderança. A saúde econômica desses endereços, frequentados por clientes de todo o país e da América Latina, ecoa também entre os estilistas e marcas brasileiras mais criativos, que recorrem a arquitetos consagrados para montar espaços identificados à sua moda.
A aparência das flagship stores com sotaque revela, sobretudo, alinhamento ao conceito de globalização. Em lugar de tentar se adaptar à cultura local, essas filiais repetem em detalhes arquitetura e decoração das lojas-mãe. Importam-se fachadas e interiores da mesma maneira que coleções inteiras de prêt-à-porter.
Com projetos assinados por arquitetos de trânsito internacional e controles paranóicos de qualidade no acabamento, as mais recentes lojas paulistanas de Armani, Versace, Dior, Tommy Hilfiger e Hugo Boss promovem o quadrilátero central dos Jardins a atração turística.
Três andares e 1.200 m2 fazem do novo Emporio Armani nos Jardins (inaugurado em novembro de 2000) a terceira maior loja da grife no mundo. O projeto tem assinatura do italiano Maurizio Ortelli. A implantação paulistana é do arquiteto João Mansur, que traduziu alguns conceitos, instituindo fachada toda em vidro e distribuindo os espaços conforme hábitos brasileiros (setor masculino e café-restaurante no térreo, infantil ao lado do feminino).
Em abril, a marca inaugura na rua Bela Cintra uma filial da Giorgio (selo "black label", ou rigor), dessa vez com projeto do papa mundial do minimalismo, Claudio Silvestrin, italiano radicado em Londres. "Seca e intimista, a arquitetura dessa loja é admirável", adianta Mansur.
Na Dior da era global, os 50 anos da maison foram comemorados em 97 com a substituição de antigos projetos locais por arquitetura do norte-americano Peter Marino, que procura reproduzir o talhe clássico da grife.
Na construção paulistana de 99, que teve supervisão de empresa canadense, o megaempresário francês Bernard Arnault mandou obedecer à lei de zoneamento local, razão pela qual a loja, conjugada a uma filial da Louis Vuitton, é a única da região com 50% de área não-construída (jardim e estacionamento).
Ao lado das criações de John Galliano, o chique está em detalhes como o banho de iluminação que evidencia os cortes; os cortinados e poltronas que assemelham os provadores a camarotes de teatro; ou a pintura artesanal das paredes, executada por profissional estrangeiro.
Entre as pioneiras das grandes implantadas no bairro, a Versace (de setembro de 96) ostenta seus pendores barrocos em projeto do italiano Massimo Comolli, secundado pela norte-americana Sam Robin (de Miami, claro). Pesados displays em mármore verde e móveis em estilo império repousam sobre mosaicos de mármores de várias cores, piso que por si faz da loja um must.
Entre vidros jateados e cortinas e pufes de veludos escandalosamente estampados, a área circular de provadores remete a um bordel de luxo, rimando com a personalidade Versace. Na fachada bilateral, destacam-se paredes de espelho em ângulo, além do famoso motivo das medusas, em mármore e em bronze.

Espírito californiano
A moda jovem da Tommy Hilfiger plantou na rua Oscar Freire sua quarta flagship em tamanho. Curiosamente, a linha do projeto é conservadora, próxima da de grandes lojas de departamentos dos EUA, com direito a escadarias cinematográficas. Na arquitetura da norte-americana Susan McCoy, adaptada aqui pelo argentino Gustavo Salvatierra, o espírito californiano da marca se reflete nas madeiras claras e na luz natural filtrada por amplos janelões.
Em março, a Hugo Boss da rua Haddock Lobo, maior flagship da marca na América Latina, revela como ficaram os 200 m2 tomados da boate Gallery para abrigar a nova Boss Woman, lançada em Milão em outubro último. O projeto, do arquiteto alemão Helmut Pummer, segue o "Boss concept", com fachada em vidro que aproveita as copas das árvores da rua.
Para competir com tanta sofisticação importada, a Forum, top brasileira de vendas do setor, resolveu hastear bandeira pátria. Na ampliação que dobrou o tamanho da loja matriz na rua Oscar Freire para 1.200 m2, o empresário e estilista Tufi Duek pediu ao arquiteto Isay Weinfeld que desse à casa "linhas de urbanidade e sensualidade características da marca".
Weinfeld respondeu com uma tendência recente na arte contemporânea, envolvendo elementos da cultura popular e de artesanato, como parede em taipa, retalhos, trançados em palha etc. em molduras de limpeza e elegância e agregando, ainda, objetos de designers brasileiros, como poltronas de Joaquim Tenreiro.
No centro, a larga escadaria revestida de pastilhas de vidrotil vermelho remete ao logo da marca, aplicado nas paredes de quartzo branco das duas fachadas. "De forma delicada, fugindo de Carnaval ou caricatura, tentei mostrar que o Brasil pode ser chique usando elementos considerados vulgares". O retorno, em prestígio e moeda sonante, foi quase imediato: prêmio do Instituto de Arquitetos do Brasil (melhor projeto de interiores em 2000) e citações no disputado espaço da revista inglesa "Wallpaper". Conforme Duek, a loja registra o dobro de clientes e de faturamento em relação ao espaço anterior.
Citação em publicação especializada, dessa vez na anual inglesa "International Interiors", também mereceu o arquiteto Arthur de Mattos Casas pelo projeto desenvolvido para Alexandre Herchcovitch e sua loja no MorumbiShopping. "O espaço difícil, triangular, ficou bem resolvido, lembrando um pouco um açougue por causa dos cabides", diz Casas.
Criados segundo sugestão do estilista, os tais cabides pendem dramaticamente de fios de aço com quase 2 m de comprimento. "A intenção é individualizar ao máximo as peças, como nos desfiles", diz Herchcovitch. Na mais recente loja-sobrado da marca, na rua Haddock Lobo, uma sala branca exibe os mesmos cabides e cadeiras de acrílico transparente desenhados especialmente por Casas.
Na mesma região, Mattos Casas tem outro projeto pensado para estilo de moda. No mais novo endereço de Reinaldo Lourenço (de maio de 2000), o arquiteto dividiu o espaço com uma parede em curva, quebrando a uniformidade de um terreno de 4 m de frente por 40 m de fundo. Acompanhando um pé-direito vertiginoso, os provadores têm longas e teatrais cortinas claras, em frente a espelhos igualmente descomunais.
Ainda mais ousado é o projeto de Marcelo Rosenbaum para a marca jovem Sommer, no Shopping Villa-Lobos. Batizado Gênesis, o projeto da loja assume parentesco com a flamejante instalação Desvio Para o Vermelho, de Cildo Meireles, além de toques das tendas do artista carioca Ernesto Neto nos provadores brancos de náilon. Sem vitrines, remete à entrada-passarela de um clube noturno, ou a uma nave espacial de ficção B, e portanto se transformou em atração da área de moda do shopping.
Rosenbaum fala em curadoria para os objetos da decoração: "São bem diferentes dos verdes pesquisados para a loja da alameda Tietê, mais "brecholenta'". "A identificação com meu público é total, e o vermelho é vitalício em minha cartela de cores", diz Marcelo Sommer.
Num ponto estratégico da Vila Nova Conceição, encravados entre os bairros mais ricos da cidade, os 3.000 m 2 da butique Daslu simulam o conforto do lar, servidos por um batalhão de copeiras e atendentes em antiquados uniformes azuis-marinhos.
Iniciado há 43 anos, o império Daslu foi incorporando à sua célula original as residências vizinhas. Assim, a seção feminina, reformada há mais de 20 anos pelo decorador Jorge Elias, se assemelha a um labiríntico bazar oriental.
Atravessando a rua, os clientes da seção Homem, bem como os de Casa e Bebê, têm mais liberdade de movimentos na arquitetura de Ricardo de Marco, que espraiou dois andares de lojas em torno de um relaxante gazebo. Os interiores dos nichos de marcas importadas, como o generoso espaço de Ermenegildo Zegna, são projetos vindos do exterior, e às vezes contrastam entre si. "O ambiente não pode ser mais importante que a roupa", argumenta a proprietária Eliana Tranchesi.


Texto Anterior: O fascismo e a moda
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.