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Gang of Four sai das cinzas e ressuscita o pós-punk
JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES
Clank. Clank. Clank. Jon King,
vocalista do Gang of Four, bate
com uma haste metálica contra
um forno de microondas que encontrou em um posto de reciclagem. Cada pancada aumenta o
amassado; lascas de tinta voam.
Não se trata de petulância, mas
da introdução de "He'd Send in
the Army", sombria e quebradiça
canção lançada em "Solid Gold",
de 1981. Teimosamente lenta,
com a bateria de Hugo Burnham
e o baixo de Dave Allen tocando
de modo intermitente e a guitarra
estridente de Andy Gill ocupando
os espaços vazios, é uma das canções mais impiedosas do grupo.
Na noite do dia 21, num pub lotado no decrépito bairro de New
Cross, zona sul de Londres, cerca
de 200 fãs modernos do punk receberam a canção com curiosidade, que logo se transformou em
gritos de aprovação. Os quatro
músicos, todos próximos dos 50
anos, faziam seu primeiro show
como grupo desde 1981.
Eles imediatamente retomaram
a meticulosa ferocidade que fez
do Gang of Four uma das mais influentes entre as bandas pós-punk. A velha mistura entre o cerebral e o visceral era evidente, e a
intensidade era palpável.
Agora é o momento perfeito para que o Gang of Four reapareça.
O som do pós-punk -o rock underground inteligente que seguiu
a iconoclastia, o barulho e a excentricidade das bandas punks
pioneiras, no final dos anos 70 e
começo dos 80- surpreendeu e
voltou a atrair ouvintes. Ainda
que poucas bandas pós-punk tenham chegado aos 40 primeiros
postos das paradas de sucesso,
deixaram sua marca (leia abaixo).
E o Gang of Four vai sair em turnê. "O objetivo é sermos incrivelmente intensos, como éramos naquela época", disse Allen. "O que
fazemos é deixar a platéia de língua de fora. Se não formos capazes disso, teremos perdido nossa
autoridade. Dizer que somos 23
anos mais velhos não é desculpa."
Na semana passada, o Gang of
Four começou uma série de cinco
shows em clubes com capacidade
para 2.000 pessoas no Reino Unido e entra em turnê nos EUA no
Coachella Valley Music Festival,
na Califórnia, que acontece entre
30 de abril e 1º de maio.
Formado em 1977, o Gang of
Four criou o que seria conhecido
como punk-funk. A banda foi
concebida por Gill e King, colegas
desde o segundo grau e estudantes de arte na Universidade de
Leeds. Eles visitaram Nova York
entre 1976 e 1977, quando o punk,
o primitivismo e o art rock conspiravam no CBGB. "Isso sugeria a
possibilidade de que qualquer
coisa poderia acontecer", disse
Gill. (O nome do grupo vem dos
líderes radicais chineses que fomentaram a revolução cultural.)
A precisão se misturava com a
anarquia por intermédio da guitarra de Gill, que usava ritmos
funk ocasionalmente, mas escapava para linhas dissonantes, harmonias vítreas e rugidos de distorção. "Superficialmente, parecíamos uma banda de rock", diz
Allen. "Mas a idéia era colocar a
coisa toda de cabeça para baixo."
As letras do Gang of Four eram
igualmente ásperas. Ainda que a
banda tenha sido rotulada como
política, poucas canções eram
protestos diretos. Elas eram
amargas e analíticas, influenciadas pelas teorias de Marx, Adorno, Baudrillard e Godard, e a banda estava determinada a esvaziar
o romantismo pop, consciente de
que as pessoas eram manipuladas
pelo poder, marketing e mídia.
Allen deixou a banda em 1981,
exausto com as turnês, e disse que
não teve contato com King até
2004. Burnham foi demitido em
1983. King e Gill mantiveram o
nome Gang of Four para álbuns
mais convencionais lançados ocasionalmente, até 1995. Mas a formação agora reunida é a que gravou o inesquecível "Entertainment!", disco de estréia da banda,
em 1979, bem como "Solid Gold".
Burnham diz, satisfeito, que "são
os discos que importam".
O grupo não planeja compor
novas canções. Mas gravou um
novo disco duplo que será vendido on-line e nos shows da turnê.
O repertório inclui 15 das velhas
canções gravadas com equipamento melhor e um segundo CD
de remixes produzidos por velhos
fãs como Franz Ferdinand, Massive Attack e Futureheads.
Gill, em tom de piada, comparou a diferença entre as velhas e
novas versões das faixas à diferença entre Giotto e Michelangelo:
"O primitivismo esbelto do texto
original ante à versão musculosa,
fortona e luxuriante de 2005".
Tradução Paulo Migliacci
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