São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Foi Apenas um Sonho"

Sam Mendes enfoca a amargura da rotina pequeno-burguesa

Diretor do premiado "Beleza Americana" recebe só indicações secundárias para o Oscar ao buscar minimalismo dramático

Foto divulgação
Leonardo DiCaprio e Kate Winslet em 'Foi Apenas um Sonho', inspirado em livro de Richard Yates

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Como alguns títulos em português costumam fazer, o de "Foi Apenas um Sonho" não quer dar trabalho intelectual para o espectador: caso ele eventualmente não compreenda o que se passa, o sentido principal da história já está bem mastigado ali. Com isso, vai para o ralo também a ironia do original, "Revolutionary Road".
O título em inglês diz respeito ao nome da rua onde mora o casal de protagonistas, em um subúrbio afluente de Connecticut, na região metropolitana de Nova York, na década de 50. A tensão se dá, contudo, pela distância entre a "via da revolução" e o cotidiano pequeno-burguês de quem vive ali, assim como o "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley nada tem para se admirar.
A amargura com que aborda esse universo -baseado em romance do norte-americano Richard Yates (1926-1992), recém-lançado por aqui, pela Alfaguara/Objetiva, com o mesmo título do longa- talvez tenha custado ao filme um tratamento a pão e água no Oscar, para o qual recebeu somente três indicações secundárias -melhor ator coadjuvante (Michael Shannon), direção de arte e figurinos.
Na oportunidade anterior em que se debruçou sobre um recorte social parecido, em "Beleza Americana" (1999), o inglês Sam Mendes teve melhor sorte. Além de receber o prêmio de direção, viu o seu longa de estreia conquistar outras quatro estatuetas, inclusive a de melhor filme.

Incômodo crescente
Aqui, no entanto, o buraco é bem mais embaixo. "Foi Apenas um Sonho" faz "Beleza Americana" parecer um filme de Steven Spielberg (e ele era, de fato, uma produção da DreamWorks SKG, criada pelo cineasta de "E.T. - O Extraterrestre"), com seu minimalismo dramático servindo a um incômodo crescente.
Não deixa de ser curioso que essa distopia romântica tenha como protagonista o casal que, vivendo história de amor encerrada com toque de felicidade imortal nos domínios do além, ajudou a fazer de "Titanic", de 1997, o recordista planetário de bilheteria, ao arrecadar US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 4,1 bilhões).
Dispostos a demonstrar que cresceram e amadureceram como atores, Leonardo DiCaprio e Kate Winslet abrem o filme em uma reveladora sequência cujos diálogos estabelecem o registro para toda a trama, à maneira ainda um tanto glamourosa a que muita gente se acostumou a vê-los.
Eles estão jovens, sedutores, "interessantes". É a noite em que se conheceram - e, como facilmente notamos, se apaixonaram. Na cena seguinte, eles já formam um casal de subúrbio: ele viaja de trem todas as manhãs, em companhia de centenas de outros "pais de família", para trabalhar em um escritório de Manhattan, enquanto ela cuida da casa.

Desilusão geracional
Pode-se olhar para a desilusão que os domina como algo particular, que diz respeito unicamente a quem se aproximou pelos motivos certos e se manteve junto pelos errados. Mas, como sugere o romance de Richard Yates e sua leitura por Sam Mendes e pelo roteirista Justin Haythe, há algo de geracional (e universal) no sonho que se corrói.


FOI APENAS UM SONHO
Produção: EUA, Reino Unido, 2008
Direção: Sam Mendes
Com: Kate Winslet, Leonardo Dicaprio e Michael Shannon
Onde: estreia hoje nos cines Bristol, Frei Caneca Unibanco Arteplex, Reserva Cultural e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos.
Avaliação: bom


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