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Tradutor aponta valor literário de obra do autor
Em relação à evolução dos estudos psicanalíticos, Paulo César de Souza diz que quis ser fiel a Freud, e não a intérpretes
Segundo estudioso baiano, tradução das obras completas deve ser concluída apenas
na década de 2020
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia trechos da entrevista
com Paulo César de Souza, que
traduz as obras completas de
Freud.
(MARCOS STRECKER)
FOLHA - Como conciliar a versão do
texto original de Freud com a evolução dos estudos freudianos e psicanalíticos no século 20?
PAULO CÉSAR DE SOUZA - Acho que
o tradutor deve se preocupar
com os sentidos que as palavras
tinham para o autor, não com
os que elas vieram a ter para os
comentadores e intérpretes.
Esses outros sentidos não param de se multiplicar com o
tempo, às vezes uma das conotações do termo original é ampliada por um discípulo, em detrimento de outra(s), e adquire
vigência como um novo conceito. Pode ser um equívoco enriquecedor, para uns, e empobrecedor, para outros.
De todo modo, contribui para a proliferação de signos da
floresta humana. É algo próprio da psicanálise e de outras
disciplinas "humanas". Respondendo mais concretamente
sua pergunta, não me preocupei com o que seja consagrado
ou difamado.
FOLHA - A edição vai rever expressões já popularizadas, como "ego"...
SOUZA - Vinte anos atrás eu
usava "ego", mas à medida que
fui traduzindo Freud -e
Nietzsche, que usa "ich" e também "es", com minúsculas-
passei a achar estranho verter o
corriqueiro pronome "eu" alemão pelo termo latino. Sei que
"ego" já se popularizou em português, a única língua latina em
que é usado, mas não consigo
empregá-lo. "Es" é um problema em várias línguas. Os italianos usam "io" para "Ich", mas
mantêm o "Es" alemão; eu
mantive o "id", pois "Isso" não
me pareceu muito bom em
Freud. "Angst" significa tanto
"medo" como "angústia" em
alemão; é preciso que o leitor
seja informado numa nota.
FOLHA - Teme que as novas expressões "não peguem"?
SOUZA - Não é preciso que "peguem". Minhas traduções de
Nietzsche são muito citadas
por especialistas, mas a maioria
deles continua usando "vontade de potência", por exemplo,
enquanto eu prefiro "de poder". Não tem problema, basta
que estejamos de acordo quanto ao que significa. Noto que a
importância da terminologia é
superestimada nos debates sobre a tradução de Freud.
Há muita ênfase nos termos,
em detrimento do texto. E o
texto é o que importa realmente, pois nele há, ao mesmo tempo, intenção ou pretensão de
cientificidade e recursos de sedução literária, com grandes
percepções e, às vezes, fantasias psicológicas. Está ligado a
isso o status nebuloso da psicanálise: é arte, ciência ou nenhuma das duas? Afinal, ninguém
discute as traduções de Darwin, por exemplo.
FOLHA - Quantos volumes serão
lançados no total? Quando serão
publicados os últimos títulos?
SOUZA - Serão 20 volumes ao
todo. O último será de índices e
bibliografia; os dois primeiros,
com textos pré-psicanalíticos,
deverão ser traduzidos por André Medina Carone. É difícil
precisar o ano em que concluiremos tudo; em algum momento da década de 2020, digamos.
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