São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 2010

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Tradutor aponta valor literário de obra do autor

Em relação à evolução dos estudos psicanalíticos, Paulo César de Souza diz que quis ser fiel a Freud, e não a intérpretes

Segundo estudioso baiano, tradução das obras completas deve ser concluída apenas na década de 2020

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia trechos da entrevista com Paulo César de Souza, que traduz as obras completas de Freud. (MARCOS STRECKER)

FOLHA - Como conciliar a versão do texto original de Freud com a evolução dos estudos freudianos e psicanalíticos no século 20?
PAULO CÉSAR DE SOUZA - Acho que o tradutor deve se preocupar com os sentidos que as palavras tinham para o autor, não com os que elas vieram a ter para os comentadores e intérpretes. Esses outros sentidos não param de se multiplicar com o tempo, às vezes uma das conotações do termo original é ampliada por um discípulo, em detrimento de outra(s), e adquire vigência como um novo conceito. Pode ser um equívoco enriquecedor, para uns, e empobrecedor, para outros.
De todo modo, contribui para a proliferação de signos da floresta humana. É algo próprio da psicanálise e de outras disciplinas "humanas". Respondendo mais concretamente sua pergunta, não me preocupei com o que seja consagrado ou difamado.

FOLHA - A edição vai rever expressões já popularizadas, como "ego"...
SOUZA - Vinte anos atrás eu usava "ego", mas à medida que fui traduzindo Freud -e Nietzsche, que usa "ich" e também "es", com minúsculas- passei a achar estranho verter o corriqueiro pronome "eu" alemão pelo termo latino. Sei que "ego" já se popularizou em português, a única língua latina em que é usado, mas não consigo empregá-lo. "Es" é um problema em várias línguas. Os italianos usam "io" para "Ich", mas mantêm o "Es" alemão; eu mantive o "id", pois "Isso" não me pareceu muito bom em Freud. "Angst" significa tanto "medo" como "angústia" em alemão; é preciso que o leitor seja informado numa nota.

FOLHA - Teme que as novas expressões "não peguem"?
SOUZA - Não é preciso que "peguem". Minhas traduções de Nietzsche são muito citadas por especialistas, mas a maioria deles continua usando "vontade de potência", por exemplo, enquanto eu prefiro "de poder". Não tem problema, basta que estejamos de acordo quanto ao que significa. Noto que a importância da terminologia é superestimada nos debates sobre a tradução de Freud.
Há muita ênfase nos termos, em detrimento do texto. E o texto é o que importa realmente, pois nele há, ao mesmo tempo, intenção ou pretensão de cientificidade e recursos de sedução literária, com grandes percepções e, às vezes, fantasias psicológicas. Está ligado a isso o status nebuloso da psicanálise: é arte, ciência ou nenhuma das duas? Afinal, ninguém discute as traduções de Darwin, por exemplo.

FOLHA - Quantos volumes serão lançados no total? Quando serão publicados os últimos títulos?
SOUZA - Serão 20 volumes ao todo. O último será de índices e bibliografia; os dois primeiros, com textos pré-psicanalíticos, deverão ser traduzidos por André Medina Carone. É difícil precisar o ano em que concluiremos tudo; em algum momento da década de 2020, digamos.


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