São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 1999

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"SHAKESPEARE APAIXONADO"
Roteiro e atuações fazem do filme uma raridade

do enviado a Park City (EUA)

Sinal dos tempos: é como personagem, e não autor, que William Shakespeare se reencontra com o grande público, quase quatro séculos depois de sua morte.
A proeza devemos a "Shakespeare Apaixonado" ("Shakespeare in Love"), a deliciosa comédia romântica escrita por Marc Norman e Tom Stoppard para a direção de John Madden.
Em 1593, o jovem Shakespeare (Joseph Fiennes) supera um bloqueio criativo ao apaixonar-se pela aristocrática Viola de Lesseps (Gwyneth Paltrow), prometida para um nobre babaca (Colin Firth). A diferença social inflama ainda mais a paixão.
O ardor acompanha Shakespeare do leito à escrivaninha e ao palco. Sua nova peça transfere para Verona, Itália, o drama amoroso que vive.
O colega Christopher Marlowe (Rupert Everett) sugere-lhe o título: "Romeu e Julieta".
Muito pouco é verdade, mas está extremamente bem contado. Cumpre fazer logo justiça.
O ainda subestimado Anthony Burgess, 30 anos antes de "Shakespeare Apaixonado", escreveu "Nothing Like the Sun", em que recria a formação sentimental do jovem Will.
Deve-se a Burgess a sacada de vincular sexo e criatividade em Shakespeare. A referência básica de seu romance são os sonetos de amor. No filme, tudo gira em torno de "Romeu e Julieta".
A idéia básica de Burgess foi retomada pelo mestre em variações shakespearianas que é Tom Stoppard.
A peça que o consagrou, "Rosencratz e Guildenstern Estão Mortos" (filmada pelo próprio autor em 1990), lá se vão três décadas, era toda desenvolvida a partir de dois personagens secundários de "Hamlet".
Também lá estava presente o artifício da peça dentro da peça; neste caso, dentro do filme.
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Travestismo
Desafiando a proibição de mulheres no palco da expansiva Inglaterra de Elizabeth 1ª, Viola faz-se ator recorrendo ao travestismo -um elemento dramático caro tanto a Shakespeare quanto a Stoppard.
Numa curiosa inversão, Viola interpreta Romeu, cabendo a um jovem adolescente o papel de Julieta.
O pretenso homossexualismo do bardo ganha assim sua mais nova -e divertida- explicação.
"Shakespeare Apaixonado" é esta raridade de um filme engrenado pela argúcia de seus diálogos.
A segura direção de Madden ("Sua Majestade, Mrs. Brown) revela-se pela fluência com que tudo se desenvolve. Mas o filme pulsa mesmo devido à excelência dos intérpretes.
Gwyneth Paltrow torna sua Viola vulnerável e radiante, no primeiro grande desempenho de sua carreira.
O feito maior de Joseph Fiennes é não desaparecer na presença dela e tampouco ceder aos maneirismos tão caros a seu irmão mais famoso, o Ralph de "O Paciente Inglês".
Pouquíssimos filmes recentes souberam alimentar-se tanto de seus coadjuvantes.
Geoffrey Rush ("Shine") compõe um inesquecível produtor. Ben Affleck ("Armageddon") começa a dizer a que veio ao parodiar um ator egocêntrico.
Rupert Everett ("O Casamento de Meu Melhor Amigo") eletriza em sua brevíssima aparição como Marlowe.
Mais meteórica, só a Elizabeth 1ª de Judi Dench. A sábia e magnética rainha de Dench precisa de apenas alguns minutos de tela para empalidecer a memória da Elizabeth composta por Cate Blanchett no imponente, mas impreciso, drama de Shekhar Khapur. É mais uma reverência prestada ao teatro por este extraordinário filme.
(AMIR LABAKI)
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Filme: Shakespeare Apaixonado Produção: EUA/Inglaterra, 1998 Direção: John Madden Roteiro: Tom Stoppard e Marc Norman Com: Joseph Fiennes, Gwyneth Paltrow, Judi Dench, Geoffrey Rush, Rupert Everett, Ben Affleck, Tom Wilkinson Quando: estréia prevista no Brasil em 12 de março



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