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"SHAKESPEARE APAIXONADO"
Roteiro e atuações fazem do filme uma raridade
do enviado a Park City (EUA)
Sinal dos tempos: é como personagem, e não autor, que William
Shakespeare se reencontra com o
grande público, quase quatro séculos depois de sua morte.
A proeza devemos a "Shakespeare Apaixonado" ("Shakespeare in
Love"), a deliciosa comédia romântica escrita por Marc Norman
e Tom Stoppard para a direção de
John Madden.
Em 1593, o jovem Shakespeare
(Joseph Fiennes) supera um bloqueio criativo ao apaixonar-se pela
aristocrática Viola de Lesseps
(Gwyneth Paltrow), prometida para um nobre babaca (Colin Firth).
A diferença social inflama ainda
mais a paixão.
O ardor acompanha Shakespeare do leito à escrivaninha e ao palco. Sua nova peça transfere para
Verona, Itália, o drama amoroso
que vive.
O colega Christopher Marlowe
(Rupert Everett) sugere-lhe o título: "Romeu e Julieta".
Muito pouco é verdade, mas está
extremamente bem contado.
Cumpre fazer logo justiça.
O ainda subestimado Anthony
Burgess, 30 anos antes de "Shakespeare Apaixonado", escreveu "Nothing Like the Sun", em que recria
a formação sentimental do jovem
Will.
Deve-se a Burgess a sacada de
vincular sexo e criatividade em
Shakespeare. A referência básica
de seu romance são os sonetos de
amor. No filme, tudo gira em torno
de "Romeu e Julieta".
A idéia básica de Burgess foi retomada pelo mestre em variações
shakespearianas que é Tom Stoppard.
A peça que o consagrou, "Rosencratz e Guildenstern Estão Mortos" (filmada pelo próprio autor
em 1990), lá se vão três décadas, era
toda desenvolvida a partir de dois
personagens secundários de
"Hamlet".
Também lá estava presente o artifício da peça dentro da peça; neste caso, dentro do filme.
²
Travestismo
Desafiando a proibição de mulheres no palco da expansiva Inglaterra de Elizabeth 1ª, Viola faz-se
ator recorrendo ao travestismo
-um elemento dramático caro
tanto a Shakespeare quanto a
Stoppard.
Numa curiosa inversão, Viola interpreta Romeu, cabendo a um jovem adolescente o papel de Julieta.
O pretenso homossexualismo do
bardo ganha assim sua mais nova
-e divertida- explicação.
"Shakespeare Apaixonado" é esta raridade de um filme engrenado
pela argúcia de seus diálogos.
A segura direção de Madden
("Sua Majestade, Mrs. Brown) revela-se pela fluência com que tudo
se desenvolve. Mas o filme pulsa
mesmo devido à excelência dos intérpretes.
Gwyneth Paltrow torna sua Viola
vulnerável e radiante, no primeiro
grande desempenho de sua carreira.
O feito maior de Joseph Fiennes é
não desaparecer na presença dela e
tampouco ceder aos maneirismos
tão caros a seu irmão mais famoso,
o Ralph de "O Paciente Inglês".
Pouquíssimos filmes recentes
souberam alimentar-se tanto de
seus coadjuvantes.
Geoffrey Rush ("Shine") compõe
um inesquecível produtor. Ben Affleck ("Armageddon") começa a
dizer a que veio ao parodiar um
ator egocêntrico.
Rupert Everett ("O Casamento
de Meu Melhor Amigo") eletriza
em sua brevíssima aparição como
Marlowe.
Mais meteórica, só a Elizabeth 1ª
de Judi Dench. A sábia e magnética
rainha de Dench precisa de apenas
alguns minutos de tela para empalidecer a memória da Elizabeth
composta por Cate Blanchett no
imponente, mas impreciso, drama
de Shekhar Khapur. É mais uma
reverência prestada ao teatro por
este extraordinário filme.
(AMIR LABAKI)
²
Filme: Shakespeare Apaixonado
Produção: EUA/Inglaterra, 1998
Direção: John Madden
Roteiro: Tom Stoppard e Marc Norman
Com: Joseph Fiennes, Gwyneth Paltrow,
Judi Dench, Geoffrey Rush, Rupert Everett,
Ben Affleck, Tom Wilkinson
Quando: estréia prevista no Brasil em 12 de
março
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