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CRÍTICA
"Primus" alia densidade poética à atitude política
KIL ABREU
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
"Primus" é um espetáculo desconcertante sob vários aspectos.
A Boa Companhia, de Campinas,
traz a Curitiba o resultado de um
trabalho costurado com os valiosos fios da contradição, que andavam em falta no Festival, tão marcado por discursos cênicos "definitivos" e pouco dialéticos.
O "Relatório a uma Academia",
de Kafka, é o ponto de partida para o espetáculo. A narração, em
primeira pessoa, descreve a captura e adestramento de Pedro, o
Vermelho, um macaco que, sem
outra alternativa que viabilize a liberdade, aprende o comportamento humano com desenvoltura e é transformado em estrela de
show de variedades. Jorge Luis
Borges já observara que a tarefa
de Kafka é transformar os acontecimentos e agonias em fábulas,
narrando pesadelos sórdidos
através de um estilo límpido.
A montagem dirigida por Verônica Fabrini não abandona a idéia
kafkiana de um meio regido pela
melancólica recorrência aos fatos
e pela busca do homem por uma
saída. Reafirma os valores "civilizatórios" e seus preconceitos no
processo de assimilação da linguagem; aponta a bestialidade do
contrato social, que subjuga a diferença e animaliza as relações; joga luz sobre a lógica da produção
cultural contemporânea e, nessa
passagem, não poupa nem a típica manifestação da cultura de
massa, os programas de auditório, nem as que aparecem como
produtos de pretensa sofisticação.
Tudo é posto sob o fundo comum
da busca de emoções rápidas. O
grupo coloca-se no centro do ambiente alienante que critica.
A cena é articulada segundo
uma dramaturgia que tem apoio
narrativo no corpo. A Boa Companhia tira efeito cômico de nossa
patética identificação com as convenções gestuais. Ao aliar atitude
política e rigor artístico, duas práticas que nem sempre têm conseguido caminhar juntas no palco,
"Primus" afirma seu discurso humanista com a densidade poética
que qualifica o melhor teatro.
Avaliação: Primus
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