São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Italiano lança "Trem de Nata", seu primeiro livro a sair no Brasil, na Bienal do Livro em São Paulo

Andrea De Carlo tange sonhos voláteis

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Andrea De Carlo andou um bocado pelo mundo antes de começar a contar suas histórias; aliás, ainda anda: como o Giovanni Maimeri, personagem de seu romance de estréia, "Trem de Nata", De Carlo é um globe-trotter.
Aos 49 anos, o escritor nascido em Milão ("provavelmente o lugar que mais detesto no mundo, porque representa, para mim, tudo que uma cidade não deve ser") vai de um lado a outro, mantendo como "base" uma casa de campo em Urbino, na Itália central.
Uma de suas próximas paradas será São Paulo, onde aporta em abril, para lançar "Trem de Nata", com que a Berlendis & Vertecchia começa a publicar sua obra no Brasil. No dia 27, às 18h30, De Carlo fala no Salão de Idéias da Bienal Internacional do Livro (que vai de 25 de abril a 5 de maio) e, no dia 29, na faculdade de letras da Universidade de São Paulo, às 19h30.
A biografia de De Carlo transparece não só na trama de "Trem de Nata", mas também na forma da narrativa, que guarda traços da experiência do autor como assistente do fotógrafo Oliviero Toscani e dos cineastas Federico Fellini e Michelangelo Antonioni.
Assim, o relato tem tom impressionista, flanando sobre a superfície e mergulhando em detalhes, como se fizesse "zooms literários": o modo em que dois dedos se unem para beliscar a pele da namorada, o som de um tecido.
De Carlo falou à Folha por telefone, de Paris, onde participou do Salão do Livro da cidade, encerrado na quarta. No evento, que neste ano homenageou a Itália (leia texto nesta página), o autor lançava "Pura Vita", seu mais recente romance e próximo título de sua obra a sair pela editora brasileira.

Folha - O que da vivência de Andrea De Carlo foi doado à de Giovanni Maimeri em "Trem de Nata"?
Andrea De Carlo -
Meus romances não são relatos fiéis dos eventos, são elaborações, mas a origem de tudo é verdadeira. Não consigo escrever sobre um lugar, um ambiente ou um personagem se não o conheço.
No caso desse livro, muitas das coisas que conto, se não todas, são reais: vivi em Los Angeles muito tempo, tive os mesmos trabalhos que Giovanni (fui garçom num restaurante italiano, dei aulas em escolas de idiomas) e todos os lugares de que falo conheço bem.
Para mim, o significado de escrever romances está em seu valor como testemunho. Por isso me interessa que o material de que são feitos seja de primeira mão, e não de segunda ou terceira.

Folha - O que significa a imagem sugerida pelo título do livro?
De Carlo -
Ela é contraditória, porque o trem deveria ser um instrumento de movimento, que transporta pessoas, coisas. Já a nata -na verdade eu pensava em chantilly- é a inconsistência; doce, atraente, mas feita de ar. É um sonho adocicado que se dissolve.

Folha - Ela traduz a idéia que se tem do ambiente de Los Angeles -o clima de futilidade, de busca pelo sucesso, fugaz que seja.
De Carlo -
Sim, esse mundo em que tudo é vivido na superfície: o sucesso, a ambição, a busca pela felicidade. Muito frequentemente, atrás dessa fachada há só pobreza de espírito, solidão. É um pouco a experiência de Giovanni.

Folha - O sr. se expressa de muitas formas -fez foto, cinema, ilustrou vários de seus livros. Como a escrita entra nesse panorama?
De Carlo -
Eu comecei a escrever muitos anos antes de publicar meu primeiro livro -coisas breves, páginas soltas, descrições.
Quando comecei a viajar, passei a escrever cartas muito longas, depois contos e, finalmente, um romance. Foi um longo percurso, mas, quando escrevi, compreendi que aquela era a linguagem em que me expressava melhor. No entanto isso não exclui o interesse que tenho pelas outras linguagens, como o cinema e a foto. Acho que alguém que trabalha com uma forma de expressão amplia suas possibilidades se se deixa estimular por outros meios.

Folha - Características da fotografia são bastante notáveis em "Trem de Nata". Essa relação entre os meios é voluntária ou natural?
De Carlo -
Veio de modo muito instintivo, talvez porque corresponda a meu modo de perceber a realidade. Sou muito atento às minúcias, aos pequenos sinais. Mas também é consciente, sei que pode ser uma forma narrativa.

Folha - As descrições são muito ricas, mas o livro não se aprofunda nas reflexões de Giovanni. Isso tem a ver com a forma com que ele vaga pelo mundo, só observando?
De Carlo -
Eu acho que, em parte, é o seu comportamento; afinal, é ele quem conta a história, tudo passa por essa mente, que é muito atraída pela superfície das coisas.
Além disso, era o meu primeiro romance. Em outros livros, desenvolvo outros aspectos narrativos. Agora, por exemplo, me interessa muito trabalhar em profundidade a psicologia dos personagens, os diálogos. Em "Trem de Nata", o caminho era o dessa técnica que tinha a ver com cinema e foto, com a representação das coisas a partir do aspecto.

Folha - O modo como o sr. se exprime parece o de alguém que prefere o instintivo ao intelectual.
De Carlo -
É nisso que acredito. Não vejo a literatura como um exercício de estilo, uma exibição de cultura pessoal. Na vida há histórias verdadeiras muito interessantes, complexas; isso em si já é um material fantástico para um romancista. Para mim, construir histórias falsas é menos cativante.


TREM DE NATA - ("Treno di Panna", 81). De: Andrea De Carlo. Editora: Berlendis & Vertecchia (0/xx/11/3085-9583). Tradução: Roberta Barni. Preço a definir



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