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LIVRO/LANÇAMENTO
Italiano lança "Trem de Nata", seu primeiro livro a sair no Brasil, na Bienal do Livro em São Paulo
Andrea De Carlo tange sonhos voláteis
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Andrea De Carlo andou um bocado pelo mundo antes de começar a contar suas histórias; aliás,
ainda anda: como o Giovanni
Maimeri, personagem de seu romance de estréia, "Trem de Nata",
De Carlo é um globe-trotter.
Aos 49 anos, o escritor nascido
em Milão ("provavelmente o lugar que mais detesto no mundo,
porque representa, para mim, tudo que uma cidade não deve ser")
vai de um lado a outro, mantendo
como "base" uma casa de campo
em Urbino, na Itália central.
Uma de suas próximas paradas
será São Paulo, onde aporta em
abril, para lançar "Trem de Nata",
com que a Berlendis & Vertecchia
começa a publicar sua obra no
Brasil. No dia 27, às 18h30, De
Carlo fala no Salão de Idéias da
Bienal Internacional do Livro
(que vai de 25 de abril a 5 de maio)
e, no dia 29, na faculdade de letras
da Universidade de São Paulo, às
19h30.
A biografia de De Carlo transparece não só na trama de "Trem de
Nata", mas também na forma da
narrativa, que guarda traços da
experiência do autor como assistente do fotógrafo Oliviero Toscani e dos cineastas Federico Fellini
e Michelangelo Antonioni.
Assim, o relato tem tom impressionista, flanando sobre a superfície e mergulhando em detalhes,
como se fizesse "zooms literários": o modo em que dois dedos
se unem para beliscar a pele da
namorada, o som de um tecido.
De Carlo falou à Folha por telefone, de Paris, onde participou do
Salão do Livro da cidade, encerrado na quarta. No evento, que neste ano homenageou a Itália (leia
texto nesta página), o autor lançava "Pura Vita", seu mais recente
romance e próximo título de sua
obra a sair pela editora brasileira.
Folha - O que da vivência de Andrea De Carlo foi doado à de Giovanni Maimeri em "Trem de Nata"?
Andrea De Carlo - Meus romances não são relatos fiéis dos eventos, são elaborações, mas a origem de tudo é verdadeira. Não
consigo escrever sobre um lugar,
um ambiente ou um personagem
se não o conheço.
No caso desse livro, muitas das
coisas que conto, se não todas, são
reais: vivi em Los Angeles muito
tempo, tive os mesmos trabalhos
que Giovanni (fui garçom num
restaurante italiano, dei aulas em
escolas de idiomas) e todos os lugares de que falo conheço bem.
Para mim, o significado de escrever romances está em seu valor
como testemunho. Por isso me
interessa que o material de que
são feitos seja de primeira mão, e
não de segunda ou terceira.
Folha - O que significa a imagem
sugerida pelo título do livro?
De Carlo - Ela é contraditória,
porque o trem deveria ser um instrumento de movimento, que
transporta pessoas, coisas. Já a nata -na verdade eu pensava em
chantilly- é a inconsistência; doce, atraente, mas feita de ar. É um
sonho adocicado que se dissolve.
Folha - Ela traduz a idéia que se
tem do ambiente de Los Angeles
-o clima de futilidade, de busca
pelo sucesso, fugaz que seja.
De Carlo - Sim, esse mundo em
que tudo é vivido na superfície: o
sucesso, a ambição, a busca pela
felicidade. Muito frequentemente, atrás dessa fachada há só pobreza de espírito, solidão. É um
pouco a experiência de Giovanni.
Folha - O sr. se expressa de muitas formas -fez foto, cinema, ilustrou vários de seus livros. Como a
escrita entra nesse panorama?
De Carlo - Eu comecei a escrever
muitos anos antes de publicar
meu primeiro livro -coisas breves, páginas soltas, descrições.
Quando comecei a viajar, passei
a escrever cartas muito longas,
depois contos e, finalmente, um
romance. Foi um longo percurso,
mas, quando escrevi, compreendi
que aquela era a linguagem em
que me expressava melhor. No
entanto isso não exclui o interesse
que tenho pelas outras linguagens, como o cinema e a foto.
Acho que alguém que trabalha
com uma forma de expressão amplia suas possibilidades se se deixa
estimular por outros meios.
Folha - Características da fotografia são bastante notáveis em
"Trem de Nata". Essa relação entre
os meios é voluntária ou natural?
De Carlo - Veio de modo muito
instintivo, talvez porque corresponda a meu modo de perceber a
realidade. Sou muito atento às
minúcias, aos pequenos sinais.
Mas também é consciente, sei que
pode ser uma forma narrativa.
Folha - As descrições são muito ricas, mas o livro não se aprofunda
nas reflexões de Giovanni. Isso tem
a ver com a forma com que ele vaga
pelo mundo, só observando?
De Carlo - Eu acho que, em parte,
é o seu comportamento; afinal, é
ele quem conta a história, tudo
passa por essa mente, que é muito
atraída pela superfície das coisas.
Além disso, era o meu primeiro
romance. Em outros livros, desenvolvo outros aspectos narrativos. Agora, por exemplo, me interessa muito trabalhar em profundidade a psicologia dos personagens, os diálogos. Em "Trem de
Nata", o caminho era o dessa técnica que tinha a ver com cinema e
foto, com a representação das coisas a partir do aspecto.
Folha - O modo como o sr. se exprime parece o de alguém que prefere o instintivo ao intelectual.
De Carlo - É nisso que acredito.
Não vejo a literatura como um
exercício de estilo, uma exibição
de cultura pessoal. Na vida há histórias verdadeiras muito interessantes, complexas; isso em si já é
um material fantástico para um
romancista. Para mim, construir
histórias falsas é menos cativante.
TREM DE NATA - ("Treno di Panna", 81).
De: Andrea De Carlo. Editora: Berlendis &
Vertecchia (0/xx/11/3085-9583).
Tradução: Roberta Barni. Preço a definir
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