São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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As últimas do Chaco

"Maldita Guerra" e "O Livro da Guerra Grande" trazem novo olhar sobre o conflito no Paraguai

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

A memória dos fatos que compuseram a Guerra do Paraguai há muito parecia sepultada sob a superfície alagadiça dos terrenos pantanosos e cheios de animais peçonhentos onde foi travada.
Recém-chegadas às livrarias, duas obras trazem novos elementos e abordagens sobre as diversas -e muitas vezes contraditórias- interpretações sobre o mais importante conflito armado ocorrido entre países latino-americanos, que durou pouco mais de cinco anos (1864-1870), consumiu a vida de cerca de 69% da população paraguaia e ajudou a definir a formação dos Estados nacionais na região do rio da Prata.
"O Livro da Guerra Grande" mistura ficção com fatos históricos e foi escrito por autores dos quatro países envolvidos no conflito. A obra parte de uma observação feita pelo viajante inglês Richard Burton (1821-1890) sobre um lugar na região do Gran Chaco, no Paraguai, em que desertores dos Exércitos uruguaio, brasileiro, argentino e paraguaio teriam convivido em harmonia.
Burton esteve no Paraguai no começo e no fim da guerra, fez amizade com o ditador Solano López e sua mulher, a bela Elisa Lynch. Escreveu o livro "Cartas dos Campos de Batalha do Paraguai", em que profetizava sobre o país: "Um povo que vai desaparecer sem deixar rastros".
No mais interessante dos textos do "Livro da Guerra Grande", o paraguaio Augusto Roa Bastos monta um diálogo entre o general Bartolomé Mitre e o pintor Cándido Lopez, ambos argentinos, em que falam de política e dos limites da compreensão humana.
Mitre surge traduzindo a "Divina Comédia", de Dante Alighieri, enquanto Lopez pinta, com a única mão que lhe sobrou depois de um combate, as paisagens dos campos de batalha [são de Cándido Lopez as pinturas mais célebres da guerra, em que soldados parecem pequenas formigas enfileiradas ao longe, sobre cavalos ou atrás de bandeiras delicadamente desenhadas".

"Maldita Guerra"
Já o trabalho do acadêmico Francisco Fernando Monteoliva Doratioto, da Universidade de Brasília, pretende contextualizar as versões construídas pelos historiadores do passado.
Doratioto identifica três interpretações principais para a guerra. A primeira delas é a conservadora, escrita pelos vitoriosos, que identifica como grande culpado do conflito o ditador Solano López, por seu pensamento retrógrado de líder de um país agrícola atrasado. A visão conservadora caracterizou-se por personalizar a história, explicando os acontecimentos mais como sendo resultado da ação de determinados personagens do que de processos políticos mais amplos.
A segunda interpretação nasce com o revisionismo paraguaio e influencia a historiografia republicana positivista no Brasil, cuja intenção era destruir todos os ícones da monarquia. Nessa, o Império brasileiro era responsabilizado por causar a guerra.
Nos anos 60, surge uma terceira versão, a do revisionismo antiimperialista. Segundo essa leitura, o Paraguai teria sido massacrado por ser um modelo de prosperidade autônoma que tentara resistir bravamente ao avanço do capitalismo inglês -do qual Brasil e Argentina seriam meras marionetes. Esse discurso funcionava como instrumento de resistência ideológica num tempo em que governos autoritários vigoravam em vários países do continente latino-americano.


O LIVRO DA GUERRA GRANDE.
Autores: Augusto Roa Bastos, Alejandro Maciel, Omar Prego Gadea e Eric Nepumoceno. Editora: Record (Rio de Janeiro, 2002). Preço: R$ 28 (235 págs.).

MALDITA GUERRA.
Autor: Francisco Fernando Monteoliva Doratioto. Editora: Companhia das Letras (São Paulo, 2002). Preço: a definir (594 págs.).




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