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As últimas do Chaco
"Maldita Guerra" e "O Livro da Guerra Grande" trazem novo olhar sobre o conflito no Paraguai
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
A memória dos fatos que compuseram a Guerra do Paraguai há
muito parecia sepultada sob a superfície alagadiça dos terrenos
pantanosos e cheios de animais
peçonhentos onde foi travada.
Recém-chegadas às livrarias,
duas obras trazem novos elementos e abordagens sobre as diversas
-e muitas vezes contraditórias- interpretações sobre o
mais importante conflito armado
ocorrido entre países latino-americanos, que durou pouco mais de
cinco anos (1864-1870), consumiu
a vida de cerca de 69% da população paraguaia e ajudou a definir a
formação dos Estados nacionais
na região do rio da Prata.
"O Livro da Guerra Grande"
mistura ficção com fatos históricos e foi escrito por autores dos
quatro países envolvidos no conflito. A obra parte de uma observação feita pelo viajante inglês Richard Burton (1821-1890) sobre
um lugar na região do Gran Chaco, no Paraguai, em que desertores dos Exércitos uruguaio, brasileiro, argentino e paraguaio teriam convivido em harmonia.
Burton esteve no Paraguai no
começo e no fim da guerra, fez
amizade com o ditador Solano
López e sua mulher, a bela Elisa
Lynch. Escreveu o livro "Cartas
dos Campos de Batalha do Paraguai", em que profetizava sobre o
país: "Um povo que vai desaparecer sem deixar rastros".
No mais interessante dos textos
do "Livro da Guerra Grande", o
paraguaio Augusto Roa Bastos
monta um diálogo entre o general
Bartolomé Mitre e o pintor Cándido Lopez, ambos argentinos,
em que falam de política e dos limites da compreensão humana.
Mitre surge traduzindo a "Divina Comédia", de Dante Alighieri,
enquanto Lopez pinta, com a única mão que lhe sobrou depois de
um combate, as paisagens dos
campos de batalha [são de Cándido Lopez as pinturas mais célebres da guerra, em que soldados
parecem pequenas formigas enfileiradas ao longe, sobre cavalos
ou atrás de bandeiras delicadamente desenhadas".
"Maldita Guerra"
Já o trabalho do acadêmico
Francisco Fernando Monteoliva
Doratioto, da Universidade de
Brasília, pretende contextualizar
as versões construídas pelos historiadores do passado.
Doratioto identifica três interpretações principais para a guerra. A primeira delas é a conservadora, escrita pelos vitoriosos, que
identifica como grande culpado
do conflito o ditador Solano López, por seu pensamento retrógrado de líder de um país agrícola
atrasado. A visão conservadora
caracterizou-se por personalizar a
história, explicando os acontecimentos mais como sendo resultado da ação de determinados personagens do que de processos políticos mais amplos.
A segunda interpretação nasce
com o revisionismo paraguaio e
influencia a historiografia republicana positivista no Brasil, cuja
intenção era destruir todos os ícones da monarquia. Nessa, o Império brasileiro era responsabilizado por causar a guerra.
Nos anos 60, surge uma terceira
versão, a do revisionismo antiimperialista. Segundo essa leitura, o
Paraguai teria sido massacrado
por ser um modelo de prosperidade autônoma que tentara resistir bravamente ao avanço do capitalismo inglês -do qual Brasil e
Argentina seriam meras marionetes. Esse discurso funcionava
como instrumento de resistência
ideológica num tempo em que
governos autoritários vigoravam
em vários países do continente latino-americano.
O LIVRO DA GUERRA GRANDE.
Autores: Augusto Roa Bastos, Alejandro
Maciel, Omar Prego Gadea e Eric
Nepumoceno. Editora: Record (Rio de
Janeiro, 2002). Preço: R$ 28 (235 págs.).
MALDITA GUERRA.
Autor: Francisco
Fernando Monteoliva Doratioto. Editora:
Companhia das Letras (São Paulo, 2002).
Preço: a definir (594 págs.).
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