São Paulo, segunda, 30 de março de 1998

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LITERATURA
Emiliano José conta o percurso do dirigente
Carlos Marighella ganha biografia

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Os tempos do regime militar brasileiro (1964-1985) continuam sob uma espessa neblina. Para cada fato ou personagem existem versões contraditórias.
Mas, no rescaldo de quase 30 anos, uma unanimidade sobrevive: o guerrilheiro baiano Carlos Marighella, morto numa emboscada em 1969, foi o inimigo número um do movimento militar.
Só agora ele ganha um livro que conta a sua trajetória: "Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da Ditadura", de Emiliano José.
Marighella foi, sobretudo, um dirigente comunista. No Estado Novo, amargou três prisões (em 1932, 36 e 39). Já nos anos 30, conheceu a tortura.
Em 45, foi eleito, junto com Jorge Amado, deputado federal pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro). Teve seus direitos cassados. Viveu na clandestinidade. Liderou, em 53, uma das maiores greves que já se viu no Brasil.
Reagiu à prisão em 64, quando levou um tiro no peito. Fez oposição ao todo-poderoso Luiz Carlos Prestes, secretário-geral canonizado do "partidão". Rachou o PCB quando este preferiu a via pacífica para combater o regime militar.
Foi a Cuba, em 67, onde recebeu de Fidel Castro a missão e o apoio logístico para liderar uma revolução no Brasil. Na volta, fundou a ALN (Ação Libertadora Nacional). Praticou assaltos ("expropriações") a bancos, a trem pagador e a lojas de munição. Liderou um contingente aproximado de 4.000 militantes, entre guerrilheiros treinados e simpatizantes.
Criou métodos, como o "Pequeno Manual do Guerrilheiro Urbano" (Assírio & Alvin), livro que foi best seller na Europa dos anos 60. Em 69, um grupo autônomo da ALN aceita o convite de uma organização carioca, que foi rebatizada como MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), para sequestrar, no Rio, o embaixador norte-americano Charles Elbrick.
Foi o primeiro sequestro visando troca de presos políticos. A máquina da repressão brasileira acordou, o destino de Marighella foi traçado: seria morto dois meses depois (4 de novembro), na alameda Casa Branca, em São Paulo. A morte teve diferentes versões.
Só recentemente a família Marighella conseguiu provar que o líder guerrilheiro levou uma saraivada de balas enquanto corria, dentro de um cerco tático organizado pelo Dops de São Paulo, cujo desfecho foi um tiro de misericórdia à queima-roupa.
A prova é resultado do "Dossiê Marighella", documento apresentado pela família à Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. Nele, um perito contesta a versão oficial de que Marighella havia sido morto em um carro e responsabiliza a União.
"Foi com esse material novo que decidi começar o livro. Nas cem primeiras páginas, busquei esclarecer a morte de Marighella", diz Emiliano José, 51, jornalista que contou com o apoio da viúva de Marighella, Clara Charf, e de seu filho Carlos Augusto Marighella.
Emiliano, paulista que mora na Bahia, foi preso em 1970. Depois de ser torturado, ganhou a liberdade condicional em 74. Era dirigente da AP (Ação Popular).
Escreveu, em 80, junto com Oldak Miranda, o livro "Lamarca, O Capitão da Guerrilha" (Global). É articulista da "Tribuna da Bahia" e professor de jornalismo da Universidade Federal da Bahia.
Leia a seguir trechos da entrevista de Emiliano José à Folha.

A MORTE - "A morte de Marighella é o fato mais violento, simbólico e revelador do momento do país, uma ditadura que passava a matar metodicamente."
EXECUÇÃO - "Marighella foi quem conduziu boa parte das ações armadas, em 68. No ano seguinte, já estava decidido que ele deveria ser executado. Começou uma grande caçada. Sua morte sinalizaria que a luta armada era inviável. Mas só agora, com o dossiê apresentado pela família, provou-se a covarde execução."
O OUTRO LADO - "Eu não era um bom nome para sair entrevistando. Não consegui entrevistar o Romeu Tuma nem seu assessor, Antônio Aggio. Policiais não falam."
A QUEDA - "Ninguém duvida que Marighella caiu devido aos padres dominicanos que foram torturadíssimos. Mas há um dado novo. Havia a suspeita de que Paulo de Tarso Venceslau houvesse falado, na tortura, da ligação de Marighella com os dominicanos. Paulo deu 20 entrevistas nas quais detalha sua participação. Mas foi o testemunho de Alípio Freire, que cuidava das feridas de Paulo na prisão, que mudou essa versão. Alípio ouviu de Paulo: "Abri o esquema dos padres'."
TORTURA - "A tortura é uma marca do Estado brasileiro, desde Getúlio Vargas. Os pobres não deixaram de sofrer tortura. Fazem com eles, até hoje, as mesmas coisas que faziam nas ditaduras."



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