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LITERATURA
Emiliano José conta o percurso do dirigente
Carlos Marighella
ganha biografia
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Os tempos do regime militar
brasileiro (1964-1985) continuam
sob uma espessa neblina. Para cada fato ou personagem existem
versões contraditórias.
Mas, no rescaldo de quase 30
anos, uma unanimidade sobrevive: o guerrilheiro baiano Carlos
Marighella, morto numa emboscada em 1969, foi o inimigo número um do movimento militar.
Só agora ele ganha um livro que
conta a sua trajetória: "Carlos Marighella - O Inimigo Número Um
da Ditadura", de Emiliano José.
Marighella foi, sobretudo, um
dirigente comunista. No Estado
Novo, amargou três prisões (em
1932, 36 e 39). Já nos anos 30, conheceu a tortura.
Em 45, foi eleito, junto com Jorge Amado, deputado federal pelo
PCB (Partido Comunista Brasileiro). Teve seus direitos cassados.
Viveu na clandestinidade. Liderou, em 53, uma das maiores greves que já se viu no Brasil.
Reagiu à prisão em 64, quando
levou um tiro no peito. Fez oposição ao todo-poderoso Luiz Carlos
Prestes, secretário-geral canonizado do "partidão". Rachou o PCB
quando este preferiu a via pacífica
para combater o regime militar.
Foi a Cuba, em 67, onde recebeu
de Fidel Castro a missão e o apoio
logístico para liderar uma revolução no Brasil. Na volta, fundou a
ALN (Ação Libertadora Nacional). Praticou assaltos ("expropriações") a bancos, a trem pagador e a lojas de munição. Liderou
um contingente aproximado de
4.000 militantes, entre guerrilheiros treinados e simpatizantes.
Criou métodos, como o "Pequeno Manual do Guerrilheiro Urbano" (Assírio & Alvin), livro que foi
best seller na Europa dos anos 60.
Em 69, um grupo autônomo da
ALN aceita o convite de uma organização carioca, que foi rebatizada
como MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), para sequestrar, no Rio, o embaixador
norte-americano Charles Elbrick.
Foi o primeiro sequestro visando troca de presos políticos. A máquina da repressão brasileira acordou, o destino de Marighella foi
traçado: seria morto dois meses
depois (4 de novembro), na alameda Casa Branca, em São Paulo.
A morte teve diferentes versões.
Só recentemente a família Marighella conseguiu provar que o líder guerrilheiro levou uma saraivada de balas enquanto corria,
dentro de um cerco tático organizado pelo Dops de São Paulo, cujo
desfecho foi um tiro de misericórdia à queima-roupa.
A prova é resultado do "Dossiê
Marighella", documento apresentado pela família à Comissão de
Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. Nele, um perito
contesta a versão oficial de que
Marighella havia sido morto em
um carro e responsabiliza a União.
"Foi com esse material novo que
decidi começar o livro. Nas cem
primeiras páginas, busquei esclarecer a morte de Marighella", diz
Emiliano José, 51, jornalista que
contou com o apoio da viúva de
Marighella, Clara Charf, e de seu
filho Carlos Augusto Marighella.
Emiliano, paulista que mora na
Bahia, foi preso em 1970. Depois
de ser torturado, ganhou a liberdade condicional em 74. Era dirigente da AP (Ação Popular).
Escreveu, em 80, junto com Oldak Miranda, o livro "Lamarca, O
Capitão da Guerrilha" (Global). É
articulista da "Tribuna da Bahia" e
professor de jornalismo da Universidade Federal da Bahia.
Leia a seguir trechos da entrevista de Emiliano José à Folha.
A MORTE - "A morte de Marighella é o fato mais violento, simbólico e revelador do momento do
país, uma ditadura que passava a
matar metodicamente."
EXECUÇÃO - "Marighella foi
quem conduziu boa parte das
ações armadas, em 68. No ano seguinte, já estava decidido que ele
deveria ser executado. Começou
uma grande caçada. Sua morte sinalizaria que a luta armada era inviável. Mas só agora, com o dossiê
apresentado pela família, provou-se a covarde execução."
O OUTRO LADO - "Eu não era
um bom nome para sair entrevistando. Não consegui entrevistar o
Romeu Tuma nem seu assessor,
Antônio Aggio. Policiais não falam."
A QUEDA - "Ninguém duvida
que Marighella caiu devido aos padres dominicanos que foram torturadíssimos. Mas há um dado novo. Havia a suspeita de que Paulo
de Tarso Venceslau houvesse falado, na tortura, da ligação de Marighella com os dominicanos. Paulo
deu 20 entrevistas nas quais detalha sua participação. Mas foi o testemunho de Alípio Freire, que cuidava das feridas de Paulo na prisão, que mudou essa versão. Alípio ouviu de Paulo: "Abri o esquema dos padres'."
TORTURA - "A tortura é uma
marca do Estado brasileiro, desde
Getúlio Vargas. Os pobres não
deixaram de sofrer tortura. Fazem
com eles, até hoje, as mesmas coisas que faziam nas ditaduras."
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