São Paulo, segunda, 30 de março de 1998

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Líder "não teve tempo para ter medo"

especial para a Folha

A leitura de "Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da Ditadura Militar", de Emiliano José, me lembrou outro livro, também publicado recentemente no Brasil: "Napoleão", de Stendhal.
Espere. Não se compara a figura de Marighella com a de Napoleão, dois revolucionários de dimensões opostas. Mas ambos os livros são biografias de autores envolvidos (movidos?) pela paixão, que levam a uma pergunta sem resposta: Qual o papel de uma biografia?
Stendhal, já famoso, afirmava, no prefácio, que seu personagem foi "o maior homem que surgiu depois de César". Relata os poucos encontros que ambos tiveram -Stendhal lutou nas guerras napoleônicas.
Declara que escreve a biografia para resgatar a verdade e canonizar, sim, seu ídolo. "O amor por Napoleão é a única paixão que me restou", escreveu o autor de "Vermelho e Negro".
Emiliano José, jornalista, foi militante de esquerda. Foi liderança do movimento estudantil, em 68. Foi preso e coisa e tal e afirma, no prefácio de seu livro, que não pretende biografar Marighella, mas fazer uma reportagem.
No entanto, Emiliano quase não ouviu a versão dos militares. Não conseguiu, apesar das tentativas. Existe uma conduta desonesta e irresponsável dos antigos atores do regime militar brasileiro, que se calam quando o assunto é repressão aos opositores.
Para bom entendedor, poucas novidades saltam aos olhos, ao ler "Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da Ditadura Militar". Não se revelam detalhes dos meses que Marighella passou em Cuba, o que mudou sua vida.
Uma pena que o autor não registre o que aconteceu com a ALN, após a morte de seu líder.
Por ser um dos livros mais esperados sobre o maior personagem da resistência armado ao regime de 64, a biografia-reportagem pode parecer incompleta.
Mas o autor cumpre com talento o seu dever de "resgatar" a história de um homem que pensou, refletiu e atuou pelo seu país, independentemente dos erros e acertos.
Narra em detalhes a operação que resultou na sua morte. Conta a infância do estudante e poeta Marighella. Traz de volta a história do PCB, seus debates internos e sua participação na Constituinte de 46. Revela uma faceta bem humorada do dirigente durão.
"Jorge Amado, seu parceiro de redação de discursos da bancada comunista em 1946, diz que Marighella havia nascido para rir", escreve. Para Emiliano José, Marighella foi mais que uma liderança contra regime militar.
Para ele, foi um personagem de todo o século que, como se lê em sua lápide, desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, "não teve tempo para ter medo". (MRP)
Livro: Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da Ditadura Editora: Sol & Chuva (tel. 011/816-1684) Preço: R$ 28 (264 págs.) Lançamento: segunda, 19h Onde: Ática Shopping Cultural (av. Pedroso de Morais, 858, São Paulo, tel. 011/867-0022)


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