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7º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA
Erros de direção comprometem "Vânia"
NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba
A atriz Leona Cavalli, no papel
de Sofia, tranças vermelhas, o rosto imaculado, Leona que já foi
Ofélia, diz, a certa altura de "Tio
Vânia", de Anton Tchecov, na nova tradução de Vadim Nikitin: "Eu
sou feia!". Não é, pelo contrário.
Até aí, nenhum problema, na
montagem que estreou no final de
semana no festival de Curitiba ou
em qualquer outra. Se tem algo
que o teatro não exige é a verossimilhança rasteira. Jovens fazem
velhos (é lendário o rei Lear de Orson Welles, aos 24 anos), homens
fazem mulheres, mulheres fazem
homens, não importa.
O problema é a encenação, do
bom ator tornado diretor iniciante
Élcio Nogueira. Ela parece querer
ser o mais naturalista, nos seus figurinos "de época", nos seus objetos de cena, na própria -tão
confusa- cenografia. Nos momentos em que foge à verossimilhança é que se dá melhor.
Pouco interessa, como se sabe,
se "Tio Vânia" se passa num solar
russo, como indica o autor, ou
num teatro em ruínas, em ensaio,
como no filme recente, belíssimo,
de Louis Malle. Mas, se o projeto é
naturalista, como parece, que tudo seja. E tudo seja muito bem realizado, porque o "teatrão" também tem as suas exigências.
"Tio Vânia", com um dos melhores elencos que é possível reunir no palco, no Brasil, perde a direção. Diálogos tão profundos,
atores tão bons, por que estragar?
É flagrante que o elenco está
pouco à vontade com o que tem à
sua volta, e não só por estar estreando, no que lembrava até um
ensaio de figurino. Há objetos, figurinos sem porquê, elementos de
mera decoração -e mal-feitos,
vestidos que nem se adequam ao
corpo das mulheres.
Sobretudo, há marcações sem
sentido, formalidades. Tio Vânia
(Renato Borghi) discute com Serebriakov (Wolney de Assis) e as
duas jovens, Ielena (Mariana Lima) e Sofia (Leona Cavalli) ficam
pelos cantos, representando à toa
algum drama barato.
Renato Borghi, Mariana Lima,
Leona Cavalli, Luciano Chirolli,
Abrahão Farc -é difícil imaginar
um elenco melhor, qualquer que
seja a montagem, hoje no país.
Borghi, cercado pela inverdade
frustrante da encenação, ergue
uma encenação só dele, como se
vivesse, como Vânia, perdido em
suas fantasias individuais de felicidade, melancólico pela existência
perdida, batendo contra a realidade de quando em quando, só para
voltar de novo a si mesmo.
Renato Borghi, que já foi tudo
no teatro, fecha-se para uma interpretação, para variar, de grande
talento. Ele é Vânia, que, aos 47
anos, agarra-se às paixões que não
teve, às ambições que não teve por
covardia ou pequenez.
Com uma linda atriz como Mariana Lima no papel de Ielena e
um texto como "Tio Vânia", de
alta carga sensual, esta seria a
montagem mais indicada para trazer ao país um tema que só começa a surgir neste ano do centenário
do Teatro de Arte de Moscou: a
sensualidade em Tchecov.
Uma biografia recém-lançada
("Anton Chekhov, a Life", de Donald Rayfield), resultado da abertura dos arquivos russos, particularmente de suas cartas, e os escritos recentes de tradutores como o
americano David Mamet apontam
um autor bem diverso da imagem
que fizeram dele no século.
Um autor tão menos sutil do que
queriam, tão mais arrebatado.
A peça existe porque a beleza de
Ielena existe. Ela faz mover os personagens, faz com que alterem
suas vidas, sonhem. Vânia acorda
para a sua morte em vida. Um médico idealista, Astrov (Luciano
Chirolli), deixa tudo de lado por
ela, o horário do chá se perde, a
vida rural se desfaz.
Mariana Lima responde bem às
exigências do papel, a maior parte
do tempo. É jovial, sensual, sedutora. Mas a cena da discussão entre Vânia e Serebriakov é apenas
uma entre várias em que se perde,
sem direção. Leona Cavalli passa a
peça saltando das esperanças
amorosas de Sofia para sua resignação religiosa. Mais seguro está
Luciano Chirolli, que integra bem
o cinismo com a altivez e a paixão.
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