São Paulo, segunda, 30 de março de 1998

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CINEMA
Bengell prepara filme sobre sua vida

OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local

Norma Bengell, 62, foi a atriz brasileira de cinema mais cult dos anos 60. No final dos 80, passou para o outro lado da câmera e se tornou diretora. Em 99, ela fechará um ciclo em sua trajetória cinematográfica ao voltar às telas não como intérprete, mas como personagem de um filme.
O personagem principal do novo projeto cinematográfico de Bengell é ela mesma. Será a história de uma atriz que participou de alguns dos mais importantes momentos do cinema brasileiro, se tornou estrela na Itália e na França, e, como mulher, criou polêmica e desafiou costumes nos anos 60 e 70.
"Acho que vivi muitas coisas. Como muitos de nós, sou uma sobrevivente. O sucesso é uma bobagem, mas da minha vida não posso abrir mão. E acho que ela pode trazer informações para outras gerações", afirmou Bengell, em entrevista à Folha.
Bengell não quer, entretanto, que sua projeção na tela seja muito fiel a ela própria na vida real. Por isso, convidou para estrelar o filme uma atriz em ascensão que não a lembra em nada: Mira Sorvino.
Sorvino foi revelada no filme "Poderosa Afrodite" ("Mighty Aphrodite", 1995), de Woody Allen, com o qual ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante, e, desde então, vem consolidando uma carreira de sucesso.
Para a diretora, Sorvino adicionaria ao papel uma nova imagem e uma nova atitude, transformando-o mais em um personagem e menos em uma tentativa de imitação da Norma de carne e osso.
As negociações estão em andamento e dependem, basicamente, de Sorvino aceitar um cachê próximo dos padrões brasileiros.
Se representar Norma na tela já é arriscado, muito mais perigoso seria incluir no filme astros do cinema com quem a atriz conviveu ou trabalhou, como, por exemplo, o ator francês Alain Delon. Para evitar um desfile fútil de celebridades, todos os nomes serão fictícios e apenas as pessoas realmente importantes para sua formação e sua vida estarão presentes.

Da revista ao cinema italiano

Norma Bengell, filha única, nasceu no Rio de Janeiro em 1935. Sua mãe vinha de uma família de classe média alta e o pai, afinador de piano e quase duas vezes mais velho, era um imigrante alemão.
O casamento, marcado por conflitos, acabou quando Norma tinha dez anos.
Sua carreira começou ainda durante a adolescência, nos anos 50, como modelo da Casa Canadá, uma confecção de alta costura na moda na época. Logo depois, pisou nos palcos pela primeira vez como vedete dos shows de Carlos Machado, apresentados na casa noturna carioca Night & Day.
Norma Bengell estreou no cinema em "O Homem do Sputiniki", em 59, no qual contracenou com Oscarito. Dois anos depois, ganhou seu primeiro papel principal, em "Mulheres e Milhões" (61).
Mas foi em 62 que sua carreira se firmou definitivamente, com a participação em "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte. O filme ganhou o Palma de Ouro no Festival Internacional de Cannes e Norma, um contrato com o produtor Dino de Laurentis para trabalhar no cinema italiano.
Na Itália, ela filmou, entre outros, "O Mafioso", de Alberto Latuada, com Alberto Sordi.
Ainda em 62, se tornou um símbolo sexual ao aparecer nua numa praia, durante uma sequência de mais de cinco minutos, no filme "Os Cafajestes", de Ruy Guerra.

Oposição ao regime militar

Uma nova guinada em sua trajetória ocorreu no final dos anos 60, já de volta ao Brasil, quando, meio sem querer, se viu envolvida na oposição ao regime militar.
A atriz participava de uma manifestação em protesto contra a morte do estudante Édson Luís, baleado num confronto de opositores do regime com a polícia.
"Um estudante me reconheceu e pediu para eu dizer alguma coisa. Quando cheguei ao parapeito da Assembléia Legislativa e vi aquele mar de gente, comecei a chorar. A única coisa que me veio à cabeça foi uma coisa muito feminina. Disse: "Eu me recuso a ter filhos para serem assassinados pela ditadura'. A reação do público foi imensa e, no dia seguinte, a frase estava nas primeiras páginas dos jornais. Assim começou meu envolvimento político", conta.
Durante boa parte da década de 70, Norma viveu em Paris, num exílio mais ou menos voluntário, devido à perseguição política no Brasil. Foram anos dedicados também ao teatro
"Nos anos 60 e 70, ocorreram mudanças radicais no mundo inteiro. O que me salvou, como atriz e como mulher, foi essa tomada de consciência", diz.
É essa mistura de experiências artísticas, culturais, políticas e de comportamento que ela pretende mostrar no novo filme, que começará a ser rodado no segundo semestre e deverá estar pronto em março de 99.
"Norma" será "quase um musical". A trilha sonora inédita, com um toque de bossa nova, será encomendada a um compositor jovem ainda não escolhido. "Meu objetivo é fazer um filme extrovertido e alegre, que tenha algo de libertário e que traga esperança."




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