São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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AUTOR DE HITS DA VARIG FALA SOBRE DERROCADA DA COMPANHIA

Piloto dos jingles


Com suas famosas canções para comerciais dos áureos tempos da empresa, Archimedes Messina conheceu o mundo sem nunca ter pago uma passagem aérea

Fernando Donassi/Folha Imagem
Archimedes Messina, autor de famosos jingles da Varig, observa decolagem de avião no aeroporto de Congonhas, em SP, na última quinta; ele viajou de Varig a vários lugares do Brasil e do mundo


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Varig, Varig, Varig... E Varig. Archimedes Messina, 73, nunca pegou avião de outra companhia para conhecer quase todo o Brasil, além de vários outros países. Jamais desembolsou um centavo pelas passagens, e olha que já levou a mulher, os filhos, e até ocupou assentos da primeira classe.
Tanta fidelidade para quem nem é cliente do programa de milhagens tem de ter, claro, uma explicação: Messina foi autor de famosos jingles da Varig, em seus áureos tempos, a milhas e milhas da empresa que hoje está à beira da falência. De 1967 a 1990, calcula ter composto mais de cem obras, entre as canções publicitárias e spots, aqueles comerciais curtos.
A Varig queria promover ou inaugurar uma linha, e lá ia seu Messina de avião conhecer o destino para se inspirar e criar o jingle. Ele decolou -nos dois sentidos- logo de cara, quando os patrões queriam "bombar" a rota Lisboa. "Seu Cabral" ("Seu Cabral ia navegando, quando alguém logo foi gritando...") fez tanto sucesso na rádio e na TV, que ganhou versão de marchinha carnavalesca, prêmios, liderou as paradas ao lado de "Mamãe Eu Quero" e foi vendido em disco compacto.
Um ano depois, em 1968, a Varig faria seu primeiro vôo para o Japão. Então manda o Messina para lá buscar alguma idéia. Ele foi e trouxe "Urashima Taro" , "o pobre pescador", que "salvou uma tartaruga, e ela como prêmio, ao Brasil o levou". Virou febre e marchinha de Carnaval de novo. O sucesso seguiu com Itália, França, Inglaterra, Argentina...
Mas, espera, vamos deixar as coisas claras, porque, para seu Messina, o que é certo é certo. O "Varig, Varig, Varig..." -que encerrava todos os jingles, às vezes cantado, às vezes só orquestrado- já existia quando ele chegou à empresa. Messina o tornou famoso, mas a criação, se ele não se engana, foi do Titulares do Ritmo, um grupo de cegos formado em Belo Horizonte nos anos 40. Outro esclarecimento: Messina viajou uma única vez na vida sem ser de Varig. Após deixar a empresa, foi chamado a compor um jingle para a Aerolineas Argentinas e, do pagamento, fizeram parte duas passagens para Buenos Aires, a dele e a de sua mulher.
Os pingos já estão nos is, voltemos ao homem dos jingles da Varig. Ele também fez o do café Seleto ("Depois de um sono bom, a gente levanta...") e o mais famoso de todos: "Lá, lá, lá, lá... Silvio Santos Vem Aí". Esse deu confusão, deixemos para o texto ao lado.

Crise
Estávamos nos anos 60, a Varig ia bem das asas, e seu Messina dando a volta ao mundo. Corta para 2003, comemoração dos 35 anos da linha para o Japão. O autor de "Urashima Taro" é procurado pela direção da companhia. Querem usar o jingle a fim de marcar o aniversário. Sem verba para grandes campanhas no rádio e na TV, pensam em colocar a música nos aviões e na espera de seus ramais telefônicos. Mesmo para isso, estava difícil arrumar dinheiro para pagar seu Messina.
Vamos dar um jeito. Há 35 anos, ele viajara a Tóquio a trabalho para compor o jingle, e a mulher não foi, o que tornou a cidade o destino dos sonhos. Ótima chance para quem sempre comemorava o aniversário de casamento com uma viagem... de Varig (E a data é 11 de setembro, veja só. Sorte, Nova York foi escolhida pelos dois em 2000, e não 2001).
Então o pagamento para liberar "Urashima Taro" veio em bilhetes aéreos. Não deu para embarcarem em 2003, 2004, 2005. Mas iriam, era só arrumar oportunidade. Em 14 de janeiro último, a Varig anuncia que seus vôos ao Japão foram "descontinuados". E agora, seu Messina? "Pois é, e agora? Agora vamos esperar. Mas você vai colocar isso na reportagem? Não sei... Não quero que pareça uma reclamação, nada disso."
E não é mesmo. Seu Messina adora a Varig. "É meu xodó. Acho que de todos os brasileiros."
Cortemos de 2003 para a última terça-feira. Ele recebe a Folha em sua agradável casa na serra da Cantareira, pouco depois dos limites de São Paulo. É clima de interior, seu Messina fica feliz com a visita da reportagem, mas não com o tema a ser abordado.
Ele se emociona ao lembrar de tanta história, tantas milhas, tantos pilotos e comissários amigos, de Ivan Siqueira, o diretor comercial da época de ouro, já morto.
Mas é triste falar sobre as manchetes atuais, Boeings parados, vôos cancelados. "Puxa vida", balança a cabeça. A partir de 15 de maio, "Seu Cabral", o do jingle de Portugal, não mais poderá voltar de Varig para a sua terra, "descontinuaram" a linha também. Vai de TAP, que jeito. Seu Messina, óbvio, acha que o governo deve "dar uma mão" porque "a Varig é um símbolo do Brasil, funciona como um consulado brasileiro no exterior". Apesar do convívio íntimo com a empresa ao longo de 23 anos, não se sente à vontade para comentar os problemas de gestão que levaram a companhia à tamanha crise. "Eu ficava concentrado nas músicas."
E se tudo for mesmo a cabo, o porta-voz da Varig comemorará o próximo aniversário de casamento via TAM ou Gol? "Não, eu nem penso nessa possibilidade de acabar. A Varig vai se reerguer."


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